Foto de 29 de março mostra
integrantes da Word of Faith Fellowship (Associação Palavra da Fé), em São Joaquim
de Bicas, em Minas Gerais (Foto: Silvia Izquierdo/ AP)
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O G1 entrevistou uma mulher que
deixou a instituição há nove anos, mas ainda sofre com as lembranças da igreja;
instituição é investigada pelo Ministério Público de Minas desde 2009.
As lembranças das restrições
impostas pela Igreja Ministério Verbo Vivo, em São Joaquim de Bicas, ainda
causam sofrimento a uma ex-integrante, entrevistada nesta quinta-feira (27)
pelo G1. Conversas não são permitidas sem um observador. Os casamentos são
arranjados entre membros. O sexo entre casados tem que ser autorizado pela
instituição. A mulher, que pediu para não ser identificada, ainda tem medo da
igreja mesmo depois de sua saída, há nove anos.
Reportagens da agência de
notícias Associated Press denunciaram que a igreja Word of Faith Fellowship,
Associação da Palavra da Fé, em português, submeteu 16 brasileiros a trabalho
escravo. As histórias vieram à tona em uma investigação sobre a instituição,
sediada na Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
Em Minas Gerais, a filial da
instituição norte-americana é a Igreja Ministério Verbo Vivo, investigada pelo
Ministério Público Estadual desde 2009. Em setembro daquele ano, a Assembleia
Legislativa de Minas Gerais (ALMG) promoveu audiências para ouvir vítimas que
denunciaram agressões físicas e psicológicas a membros e estudantes de uma
escola mantida pela entidade. Esta mulher participou de uma das audiências e
consta como uma das vítimas nos documentos que deputados entregaram à Justiça.
O G1 tenta contato com a Igreja
Ministério Verbo Vivo desde a última terça-feira (25), mas nenhuma ligação foi
atendida.
A mulher, que hoje passa dos 70
anos, chora durante toda a entrevista exclusiva ao G1. As lembranças ainda são
fortes e ela não consegue conversar sobre a Verbo Vivo sem se emocionar.
“Aquele lugar é um verdadeiro
inferno. A gente sofreu muito lá”.
A ex-integrante conta que
conheceu a Igreja Verbo Vivo em Belo Horizonte, antes de a instituição,
originada nos Estados Unidos, estabelecer uma filial em São Joaquim de Bicas,
na Região Metropolitana da capital mineira.
“A gente gostava da igreja,
gostava quando os americanos vinham, dos louvores, a gente achava tudo
maravilhoso”.
A mulher conta que um pastor
norte-americano comprou uma fazenda em Betim, também na Grande BH, e a dividiu
em lotes. Esses terrenos foram vendidos para fiéis por R$ 35 mil cada um, mas
nenhuma escritura foi entregue.
A igreja impõe muitas restrições,
segundo a ex-integrante. Entre os “pecados” considerados pela instituição estão
andar com as mãos nos bolsos, assistir à televisão, ouvir rádio, frequentar
cinema, academia ou clube, beber guaraná porque a cor da bebida se assemelha à
cerveja e participar de festas, mesmo em família.
“Eu fiquei 17 anos sem ver
televisão, sem ouvir rádio, sem ter contato com a minha família. Meu pai morreu
e eu não pude ir no enterro”.
Sobre a rotina rígida exigida pela
Verbo Vivo, a mulher se lembra das obrigações. “Tinha que dar dízimo, era
obrigada a ir no bazar, era obrigada a ir nos cultos de segunda a segunda. Não
podia fazer nada. Se você fosse no médico, você tinha que ir alguém com
você."
"Eu sempre fui rebelde. Eu
ia no médico escondido. Porque eu queria tomar guaraná, e era proibido”.
'Quarto do diabo'
Esta mulher se lembra de um
episódio em que sofreu difamação e foi levada para uma reunião com pastores em
um cômodo onde eram feitas as “correções”. Ela chamou o lugar de “quarto do
diabo”.
A ex-integrante conta que foi
levada para este lugar, onde estavam lideranças da igreja, porque uma outra
fiel tinha dito que ela havia conversado particularmente com outro membro, o
que é proibido. A princípio, os líderes não deixaram que a filha a acompanhasse
na reunião, mas a jovem "entrou na marra", conforme descreveu a
mulher. Duas das lideranças que participaram desta "correção" eram
médicos.
Ela conta que a pastora falava
apontando o dedo na cara dela, chamando-a de fofoqueira. Ela começou a passar
mal e foi atendida pelos médicos presentes. A filha dela, então, fez ameaças e
disse que se alguma coisa acontecesse à mãe, ela iria denunciar todo mundo. Um
dos médicos se recusou a continuar o interrogatório e disse a uma outra médica,
segundo a ex-integrante, “olha, eu estou fora, se essa senhora morrer, a
culpada é você. Eu não assino o atestado”.
No dia seguinte à confusão, o
pastor norte-americano a procurou e disse que ela precisava pedir perdão diante
da igreja. “Aí eu peguei e xinguei ele todo. Falei com ele ‘você vai pro
inferno com a sua igreja que eu nunca mais volto aí. Nem eu nem minha filha.
Nunca mais vamos voltar aí. Vai pro inferno. Você veio pra cá só para destruir
famílias, destruir famílias e tomar o dinheiro dos outros’. Agora diz que ele
tem uma mansão aqui. A igreja está vazia”, relembra.
“A gente tinha muito medo porque
eles falavam que se a gente saísse da igreja, que o mundo estava podre, que
meus filhos e meus netos iam pras drogas, pra prostituição. A gente tinha medo,
muito medo”
Maus-tratos
Apesar de nunca ter visto
maus-tratos, a mulher conta que presenciou, em 2009, depoimentos de vítimas de
abusos e violência na audiência pública realizada pela Comissão de Direitos
Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
“Nunca vi [cenas de maus-tratos]
porque era escondido. Mas no dia da audiência pública lá, as crianças que já
não eram mais crianças contaram tudo. Aí é que eu ouvi coisas assim, muito
pesadas. Eles faziam tudo escondido e não podia contar pra ninguém”.
Ela diz que algumas pessoas que
estavam na audiência relataram que, quando crianças, apanharam dentro da
igreja. De acordo com a Comissão de Direitos Humanos, que acompanhou os
depoimentos, vítimas disseram que era usada uma vara para bater nas crianças.
A mulher, que tem parentes e
conhecidos ainda na congregação, conta que tem medo e diz que não pode falar
mais detalhes sobre o que ouviu.
A vida fora da Igreja Verbo Vivo
Sobre a vida após a saída da
Verbo Vivo, a mulher chora e fala da tristeza de ainda ter parentes na igreja.
“É muito triste porque a gente
sente abandonada. A gente sente, assim, um lixo porque todo mundo gelou a
gente. Já pensou você perder uma filha? Netos? Eu adorava eles. Fui perder
tudo. Meu marido teve um AVC, teve câncer de próstata, não visitam, não
procuram, não fazem nada. Então, você sofre o dia inteiro. A gente não pode ter
contato”.
“Saímos debaixo de muita praga,
muita maldição. Quando nós saímos eles falaram que a gente foi pra
prostituição. Mas graças a Deus minha filha estudou, formou”.
Perguntada sobre se ainda tem
esperanças de que as coisas que aconteciam dentro da igreja sejam reveladas, ela
responde que é um sonho.
“É o meu sonho. A gente torce
muito pelas pessoas boas lá. Muitas velhinhas, muitas pessoas que não sabem
nada o que acontece. Eles não podem conversar e, se contar, eles não acreditam.
Você pode falar com eles que eles não acreditam. (...) Se você chegar perto de
qualquer um, falam que [a igreja] é uma maravilha. Eles são 'tudo lavado',
lavagem cerebral”.
SÃO JOAQUIM DE BICAS
Por Pedro Ângelo, G1 MG, Belo Horizonte
Por Pedro Ângelo, G1 MG, Belo Horizonte
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