Fernando Aguzzoli, 22 anos, acompanhou de perto a doença de Dona Nilva.
Estudante criou página em rede social e vai transformar conteúdo em livro.
Fernando, 22 anos, posa ao lado da avó Nilva (Foto: Fernando Aguzzoli/Arquivo pessoal)
“Passei de neto a pai da minha avó.” A frase é do porto-alegrense Fernando Aguzzoli, 22 anos, que acompanhou de perto os últimos meses de vida de Nilva de Lourdes Aguzzolli, diagnosticada com mal de Alzheimer há seis anos.O estudante de filosofia UFRGS trancou a faculdade no início do ano passado, largou emprego e as festas com os amigos para se dedicar em tempo quase integral aos cuidados da matriarca da família Aguzzoli ao lado da mãe, Rose Marie, 55 anos. Vovó Nilva, como ficou conhecida, morreu em dezembro de 2013.
O mal de Alzheimer é uma doença neurodegenerativa ainda sem cura, mas a chance de controlá-la é maior se ela é detectada precocemente. Ocorre na terceira idade e seu sintoma mais comum é a perda da memória, mas compromete ainda o comportamento e pensamento do paciente.
“Escrevi o livro ao lado dela. Transcrevia tudo o que ela me dizia. Foi fantástico. Mas não queria que fosse um livro só biográfico. Além dos diálogos, coloquei opiniões de profissionais. Mas não de uma forma muito técnica. É para um leigo entender mesmo como é essa doença”, explica ao G1.
A inversão nos papéis de avó e neto foi uma tentativa de não sucumbir à tristeza, inevitavelmente provocada pela doença. “É realmente uma doença familiar. Deixei de ir a festas com meus amigos para limpar dentadura, por exemplo. A gente criou uma relação de melhores amigos”, comenta sobre o relacionamento que passou a ter com a mulher que cuidou dele durante a infância.
Fernando quando era bebê no colo da avó Nilva
(Foto: Fernando Aguzzoli/Arquivo pessoal)
Do desespero ao cuidado(Foto: Fernando Aguzzoli/Arquivo pessoal)
Tudo começou quando a família percebeu os frequentes enjoos de Dona Nilva, que morava sozinha em um apartamento em Porto Alegre. Após uma série de exames com diferentes médicos, saiu o diagnóstico. “A gente percebeu que ela ficava muito enjoada depois do almoço. Depois a gente viu que ela estava tomando os comprimidos para pressão alta de forma errada. Às vezes tomava mais de uma vez, outras vezes esquecia”, relata o neto.
Aos poucos, a enfermidade foi comprometendo o cérebro de Dona Nilva. Deprimido, o neto achou que hora de agir. “Foi desesperador quando vi que minha avó ia ficar acabada, ia ter que usar fralda, não ia conseguir engolir comida. Eu não tinha como curar a minha avó. Mas decidi dedicar todo o meu tempo a ela”, avalia.
Com o passar dos meses, a rotina da família Aguzzoli foi totalmente transformada. “Eu e minha mãe começamos a aplicar mudanças leves no cotidiano da minha avó. Alugamos um apartamento para ela na mesma rua que a nossa, depois no mesmo prédio. Até ela vir para dentro de casa”, afirma.
da avó (Foto: Fernando Aguzzoli/Arquivo pessoal)
“Meu intuito era criar um espaço diferente para falar do Alzheimer. Normalmente quando se fala da doença é de forma negativa e muito técnica, específica. Queria fazer um contraponto a esse conteúdo. E encontrei pessoas de várias partes do Brasil e do mundo que quiseram compartilhar também suas histórias”, revela.
Em dezembro de 2013, Dona Nilva não resistiu a uma infecção urinária, pouco antes de completar 80 anos de idade. “Eu não sou um herói, não sou um guri iluminado. Eu apenas tomei uma decisão e fiz o que tive que fazer. Todo jovem pode se relacionar com seus avós. Não é porque ela era velha ou porque tinha um obstáculo no caminho. Aprendi muito com ela”, analisa o jovem.
Dona Nilva foi internada alguns dias antes do Natal de 2013 (Foto: Fernando Aguzzoli/Arquivo pessoal)
Abaixo, algumas publicações da página Vovó NilvaAbaixo, algumas publicações da página Vovó NilvaNo elevador:
Eu: O que está fazendo, vó?
Vó: To abanando...
Eu: Eu sei, mas para quem?
Vó: Para a senhora ali!
Eu: Mas estamos sozinhos aqui!
Vó: Claro que não, ali do outro lado tem uma senhora me abanando de volta, olha.
Eu: Ah sim, agora vi, aquela senhora abanando ao lado de um bonito rapaz?
Vó: Não, aquela ali de preto!
Eu: É A ÚNICA!! Mas não é um bonito rapaz ao lado?
Vó: É, nem tinha visto! Abana para ela!
Eu: É O TEU REFLEXO NO ESPELHO, VÓ!
Vó: Quem, eu? Olha ali, ela é bem mais velha!
Eu: Claro, deve ter uns 80 anos né?
Vó: Sim, tadinha!
Eu: Tadinha mesmo, tadinha. Sorri e abana vó, abana! Tchau moça!!
Em casa:
Eu: Vó, tira a dentadura pra dormir um pouquinho e põe na água.
Vó: Tá. Pronto.
(2 minutos depois)
Vó: Vou tirar minha dentadura (sabe quando velhinho fala sem dentadura e fica coisa mais querida? Pois é).
Eu: Mas tu já tirou, tá na caneca.
Vó: Claro que não amorzinho, tô com ela.
Eu: Tu só pode tá brincando, né? Olha o jeito que tu tá falando, acha que tá com dentadura?
Vó: Eu tô! Olha! (sorriu)
Eu: HAHAHAHAHA NÃO TEM NADA AÍ!
Vó: Ai meu Deus, claro que tem!
Eu: Me faz um favor, coloca o dedo nos dentes de cima então.
Vó: Tá. UÉÉÉÉ, CADÊ MINHA DENTADURA?
Eu: Como eu havia dito, na caneca.
Vó: Ah, tá então.