
— O desenvolvimento do circuito cerebral depende potencialmente de uma interação positiva entre a mãe e o bebê — apontou o professor do Departamento de Psiquiatria e Ciências Comportamentais da UCLA, Allan Schore, ao jornal britânico “The Telegraph”.
De acordo Schore, isto ocorre porque 80% das células cerebrais se desenvolvem na faixa dos 2 anos de idade, e se o processo de formação de conexões (sinapses) for prejudicado ou não for estimulado, o déficit poderá ser permanente. Ele ressalta que o bebê maltratado poderá ter sua inteligência afetada. Além disso, poderá crescer com menos empatia para com outras pessoas, mais propensão a ser viciado em drogas e a se envolver em crimes violentos. Ele ainda terá mais chances de ficar desempregado com frequência e de ter problemas de saúde e mentais. Esta descoberta, segundo o pesquisador, poderia ser um dos fatores a explicar, por exemplo, por que algumas gerações de famílias tendem a enfrentar um ciclo difícil de quebrar de falta de escolaridade, desemprego persistente, pobreza, vícios como o de álcool e drogas, assim como o envolvimento em crimes.
Maior risco de ansiedade e depressão
Em janeiro deste ano, a Escola de Medicina da Universidade de Washington publicou o primeiro estudo mostrando mudanças na anatomia cerebral no caso de crianças que tinham sido negligenciadas por seus pais. A pesquisa, publicada no periódico “Proceedings of the National Academy of Sciences” (Pnas), apontou que crianças que foram bem cuidadas por suas mães nos primeiros anos de vida tinham o hipocampo do cérebro maior. Essa estrutura é fundamental para o aprendizado, a memória e a resposta ao estresse. Neste estudo, os pesquisadores analisaram as imagens dos cérebros de 92 crianças, revelando que aquelas que tinham recebido afeto e sido bem alimentadas tinham o hipocampo 10% maior que as crianças cujas mães tinham sido negligentes.
Chefe da psiquiatria infantil da Santa Casa do Rio de Janeiro, Fábio Barbirato lembra que desde o século XVII estudos vêm tentando relacionar o desenvolvimento cerebral com o carinho dos pais. Ele lembra que já em 1621 o médico americano Richard Button apontou que crianças negligenciadas tinham mais propensão a sofrer de depressão e ansiedade. Barbirato diz que que os trabalhos ainda são inconclusivos, mas que este é um conhecimento já intuitivo da comunidade científica.
— Nada foi de fato comprovado, porque os estudos são ainda pouco amplos, foram feitos com um número reduzido de pacientes. Mesmo assim, na prática clínica, isto já é verificado. E em palestras já costumamos ressaltar para as mães a importância de cuidar bem de seus filhos — explicou Barbirato. — A nossa preocupação é, por exemplo, com as mães usuárias de crack ou com as crianças que perderam os pais.
Segundo o psiquiatra, a criança que não for bem tratada poderá, no futuro, apresentar, além de depressão e ansiedade, dificuldade de aprendizado e de relacionamento com outras pessoas. Barbirato explica que até os 5 anos o córtex pré-frontal ainda não está totalmente formado. E a falta de estímulos, como o carinho, pode prejudicar este crescimento.
— Até esta idade, estão se formando muitas sinapses no córtex pré-frontal. E seu desenvolvimento precisa de estímulos, que vêm do afeto — afirmou.