O ministro da Justiça e Segurança
Pública, Sergio Moro, anunciou a demissão nesta sexta-feira (24). O ex-juiz
federal deixa a pasta após um ano e quatro meses no primeiro escalão do governo
do presidente Jair Bolsonaro.
A demissão foi motivada pela
decisão de Bolsonaro de trocar o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo,
indicado para o posto pelo agora ex-ministro. A Polícia Federal é vinculada à
pasta da Justiça.
Ao anunciar a demissão, em
pronunciamento na manhã desta sexta-feira no Ministério da Justiça, Moro
afirmou que disse para Bolsonaro que não se opunha à troca de comando na PF,
desde que o presidente lhe apresentasse uma razão para isso.
“Presidente, eu não tenho nenhum
problema em troca do diretor, mas eu preciso de uma causa, [como, por exemplo],
um erro grave”, disse Moro.
Moro disse ainda que o problema
não é a troca em si, mas o motivo pelo qual Bolsonaro tomou a atitude. Segundo
o agora ex-ministro, Bolsonaro quer “colher” informações dentro da PF, como
relatórios de inteligência.
“O presidente me disse mais de
uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contato pessoal dele,
que ele pudesse ligar, que ele pudesse colher informações, que ele pudesse
colher relatórios de inteligência, seja diretor, seja superintendente. E
realmente não é o papel da Polícia Federal prestar esse tipo de informação”,
declarou.
Moro fez uma comparação da
situação com o período em que conduziu os processos da Operação Lava Jato como
juiz: “Imaginem se durante a própria Lava Jato, ministro, diretor-geral,
presidente, a então presidente Dilma, o ex-presidente, ficassem ligando para o
superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações em
andamento?”, questionou.
Segundo Moro, a autonomia da
Polícia Federal “é um valor fundamental que temos que preservar dentro de um
estado de direito”.
De acordo com o relato de Moro,
ele disse a Bolsonaro que a troca de comando na PF seria uma interferência
política na corporação. Ele afirmou que o presidente admitiu isso.
“Falei para o presidente que
seria uma interferência política. Ele disse que seria mesmo”, revelou Moro.
O agora ex-ministro contou que
Bolsonaro vem tentando trocar o comando da PF desde o ano passado.
“A partir do segundo semestre [de
2019] passou a haver uma insistência do presidente na troca do comando da PF.”
Moro afirmou que sai do
ministério para preservar a própria biografia e para não contradizer o
compromisso que assumiu com Bolsonaro: de que o governo seria firme no combate
à corrupção.
“Tenho que preservar minha
biografia, mas acima de tudo tenho que preservar o compromisso com o presidente
de que seríamos firmes no combate à corrupção, a autonomia da PF contra
interferências políticas”, declarou.
‘Não assinei exoneração’
Moro afirmou ainda que ao
contrário do que aparece no “Diário Oficial”, ele não assinou a exoneração de
Valeixo, nem o diretor-geral da PF pediu para sair.
Na publicação, consta a
assinatura do então ministro e a informação de que Valeixo saiu “a pedido”.
“Eu não assinei esse decreto e em
nenhum momento o diretor da PF apresentou um pedido oficial de exoneração”,
disse.
‘Carta branca’
Moro também disse que, quando foi
convidado por Bolsonaro para o ministério, o presidente lhe deu “carta-branca”
para nomear quem quisesse, inclusive para o comando da Polícia Federal.
“Foi me prometido na ocasião
carta branca para nomear todos os assessores, inclusive nos órgãos judiciais,
como a Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal”, afirmou o agora
ex-ministro.
No anúncio, Moro chegou a se
emocionar e a ficar com a voz embargada. Foi quando ele disse que havia pedido
ao presidente uma única condição para assumir cargo: que sua família ganhasse
uma pensão caso algo de grave lhe acontecesse no exercício da função.
“Tem uma única condição que
coloquei. Eu não ia revelar, mas agora isso não faz sentido. Eu disse que, como
estava saindo da magistratura, contribuí durante 22 anos, pedi que, se algo me
acontecesse, que minha família não ficasse desamparada”, disse Moro.
Demissão do diretor da PF
Moro foi surpreendido com a
publicação da exoneração de Valeixo nesta sexta-feira. Fontes ligadas ao
ministro disseram que ele não assinou a exoneração, apesar de o nome dele
constar, ao lado do nome de Bolsonaro, no ato que oficializou a saída de
Valeixo.
Moro foi anunciado como ministro
de Bolsonaro em novembro de 2018, logo após a eleição presidencial. O
magistrado ganhou notoriedade como juiz de processos da Operação Lava Jato,
entre os quais o que condenou o ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá.
Na oportunidade, Bolsonaro
garantiu autonomia a Moro na escolha de cargos de segundo e terceiro escalão. O
ministro teria “carta branca” no combate à corrupção.
“Conversamos por uns 40 minutos e
ele [Moro] expôs o que pretende fazer caso seja ministro e eu concordei com
100% do que ele propôs. Ele queria uma liberdade total para combater a
corrupção e o crime organizado, e um ministério com poderes para tal”, declarou
Bolsonaro à época.
“É um ministério importante e,
inclusive, ficou bem claro em conversa entre nós que qualquer pessoa que
porventura apareça nos noticiários policiais vai ser investigada e não vai
sofrer qualquer interferência por parte da minha pessoa”, acrescentou
Bolsonaro.
Interferências
Após o início do governo, Moro e
Bolsonaro tiveram uma relação marcada por episódios de interferência do
presidente no ministério. Bolsonaro chegou a dizer que tinha poder de veto nas
pastas, pois “quem manda” no governo é ele.
Um dos episódios de interferência
ocorreu em fevereiro de 2018, quando Moro, após reclamação de Bolsonaro,
revogou a nomeação de Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal
e Penitenciária.
Cientista política, mestra em
estudos de conflito e paz pela Universidade de Uppsala (Suécia) e fundadora do
Instituto Igarapé, Ilona Szabó atuou na ONG Viva Rio e foi uma das
coordenadoras da campanha nacional de desarmamento.
Bolsonaro é a favor de facilitar
o acesso da população a armas e ignorou sugestões feitas pelo ministro da
Justiça para o decreto das armas.
Valeixo
A situação da PF também abalou a
relação entre Bolsonaro e Moro. O presidente pretendia desde o ano passado
tirar Valeixo do comando do órgão.
Delegado de carreira, Valeixo foi
superintendente da PF no Paraná e atuou na Lava Jato. A experiência o fez ser
escolhido por Moro para chefiar a PF.
A liberdade que Moro teve para
escolher Valeixo e superintendentes regionais da PF foi minada aos poucos. Em
agosto de 2018, sem o conhecimento da cúpula da Polícia Federal, Bolsonaro
anunciou a troca do superintendente do Rio de Janeiro.
A fala gerou ameaça de entrega de
cargos na PF. A troca na superintendência ocorreu, mas Moro e Valeixo
continuaram nas suas funções.
Coaf
A relação entre ministro e
presidente também foi abalada, segundo o jornal “O Globo”, pelo fato de Moro
ter pedido ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, a
revisão de uma decisão que restringiu o compartilhamento de relatórios do Coaf
com os ministérios públicos e a Polícia Federal.
O movimento do ministro irritou o
presidente Jair Bolsonaro, pois a liminar atendia a um pedido da defesa do
senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente.
Um relatório do Coaf apontou
movimentações atípicas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na
Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. A defesa argumentou que dados dessas
movimentações foram repassados ao Ministério Público sem a autorização
judicial.
No caso do Coaf, a transferência
do órgão para o Banco Central levou à queda de um dos principais aliados de
Moro na Lava Jato, o auditor Roberto Leonel, demitido do comando da estrutura.
Coronavírus
Com a pandemia do novo
coronavírus, Moro e Bolsonaro deram outros sinais de descompasso.
Moro defendeu em falas públicas o
isolamento como forma de tentar conter o contágio, mais alinhado ao que dizia o
ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta.
Bolsonaro, por sua vez, fala em
isolar somente idosos e pessoas com doenças crônicas. Ele prega a volta do
comércio, a retomada das aulas e reabertura de fronteiras com Uruguai e
Paraguai.
Supremo
Visto por analistas políticos
como um possível postulante ao Planalto em 2022, desde a escolha para chefia a
pasta da Justiça, Moro figurou como um possível indicado por Bolsonaro para as
duas vagas no STF que serão abertas com as aposentadorias dos ministros Celso
de Mello e Marco Aurélio Mello.
Bolsonaro costumava elogiar o
perfil de Moro, mas também declarou o desejo de indicar um ministro
“terrivelmente evangélico” para a Corte.
Perfil
Nascido em 1972 em Maringá, no
norte do Paraná, Moro ganhou visibilidade como juiz da 13ª Vara Federal
Criminal de Curitiba – especializada em crimes financeiros e de lavagem de
dinheiro.
Ele ficou conhecido nacionalmente
por ser o juiz responsável pelos processos da Lava Jato na primeira instância.
Antes da operação, Moro trabalhou
no caso Banestado e atuou como auxiliar da ministra do Supremo Tribunal Federal
(STF) Rosa Weber, em 2012, no caso do Mensalão do PT.
A Operação Lava Jato, que teve a
primeira fase deflagrada em 17 de março de 2014, começou com a investigação de
lavagem de dinheiro em um posto de combustíveis e chegou a um esquema criminoso
de fraude, corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobras. Posteriormente, a ação
alcançou outras estatais.
Em mais de quatro anos de Lava
Jato, o magistrado sentenciou 46 processos, que condenaram 140 pessoas por
crimes como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Entre os políticos condenados 13ª
Vara Federal de Curitiba estão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e
o deputado cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB).
Doleiros, ex-diretores da
Petrobras e empresários ligados a grandes empreiteiras do país também já foram
condenados por Moro.
mt e noticias
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