Eles só não esperavam que, duas semanas depois do encontro, 14 familiares apresentassem sintomas do novo coronavírus e que três irmãos (a mãe e tios de Rafaela) morressem |
A última vez que saí, antes de
entrar em isolamento social, foi em 12 de março. Já se falava em coronavírus,
mas as recomendações no Brasil cuidavam apenas da higienização das mãos.
Segundo dados do Ministério da Saúde, o país já tinha 98 casos de Covid-19
confirmados no Brasil. Desses, 56 eram na cidade de São Paulo; mas nenhum em
Itapecerica da Serra, no interior do estado, onde vivem todos -- execeto eu,
que moro em Maringá, no Paraná, desde que casei. Era aniversário da minha tia
Vera Lúcia e resolvemos festejar com os mais próximos os seus 59 anos. Assim,
os sete irmãos Vieira, reuniram suas famílias para um churrasco noturno. Ao todo,
éramos 25 pessoas.
O encontro, claro, foi uma
delícia. Mas depois que o evento acabou, a troca de mensagens positivas e
fotos, no no grupo de WhattsApp da família, duraram pouco mais que um dia. Logo
começaram as queixas. Minha mãe, Maria Salete, foi a primeira a ficar mal.
Febre, coriza, tosse e dor no corpo. Seguidos de enjoos, perda do olfato e do
paladar. Além de dificuldade para comer e beber. Logo depois, dois irmãos dela,
apresentaram os mesmos sintomas.
No dia 21 de março, cada um dos
três visitou seu médico. Fizeram raio x, exames de sangue e urina. Mas
aparentemente não tinham nada. Tomaram então um pouco de soro e voltaram para
casa. Enquanto isso, mensagens de outros familiares com problemas de saúde começaram
a pipocar no grupo da família. Quatorze pessoas das 25 que haviam estado na
festinha apresentavam sintomas relacionados ao novo coronavírus.
A essa altura, a indicação já era
ficar em casa e o novo coronavírus não parecia mais tão distante. Ninguém
acreditava, porém, que o vírus fosse o responsável pelo mal estar generalizado
em quase todos que estiveram no churrasco de tia Vera. Ainda mais quase dez
dias depois do encontro.
No dia 25 de março, minha mãe já
quase não se alimentava mais, estava fraca a ponto de mal conseguir se manter
em pé. De novo no hospital, detectaram que a saturação de oxigênio sanguíneo
dela estava baixa -- deu 80%, enquanto o mínimo normal é 93%. O médico pediu
uma tomografia e o pulmão dela estava 60% tomado pelo coronavírus, com
peneumonia.
Minha mãe ficou isolada na UTI,
entubada, em estado gravíssimo. Assustados, meus dois tios também foram para o
hospital. Ambos foram entubados também. Nenhum dos três reagiu bem à medicação
prescrita nem à ventilação protetiva do pulmão. E, para nossa mais profunda dor
e tristeza, pouco mais de duas semanas após a festa de aniversário da minha
tia, a alegria deu lugar ao luto. No dia 1º de abril, minha mãe faleceu, aos 60
anos. No dia seguinte, meu tio Clóvis, 62, também se foi. Na sequência, meu tio
Paulo, 61, morreu. Um seguido do outro. Uma dor atrás da outra. Três punhaladas
seguidas no coração da nossa família.
Nenhum deles era fumante ativo,
haviam parado 20 anos atrás. Nenhum tinha doenças pulmonares pré-existentes, e
só minha mãe era diabética. Meu tio Paulo, inclusive, tinha um estilo de vida
super saudável. Atleta, caminhava por trilhas, pedalava 30 quilômetros
diariamente, era considerado o mais saudável entre os irmãos. Ninguém da
família esteve em viagens recentemente, ou seja, a transmissão foi mesmo
comunitária.
Todo mundo fez o exame de
Covid-19, mas os resultados ainda não saíram. Seguimos em isolamento, com o
coração em frangalhos e a certeza de que nada mais será igual depois daquele 12
de março.
Isso não é uma gripezinha, é uma
catástrofe. As pessoas precisam entender a importância de se cuidar, de se
isolar e de cuidar dos seus. Evitem sair nas ruas por motivos desnecessários.
Essa doença é muito rápida, sorrateira. É tudo ainda muito novo, os sintomas
são variados, o perigo é enorme. Não quero que nenhuma família mais passe pela
situação que a minha está vivendo.”
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