Quase 30% das madeireiras
suspeitas de participação no mercado ilegal de madeira da Amazônia
transportaram o produto dentro do país em 2020, apesar das investigações em
curso na PF (Polícia Federal) e no MPF (Ministério Público Federal).
A madeira amazônica alimentou o
mercado da construção, da decoração e de outras áreas nos estados mais ao sul
do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Santa Catarina.
Uma compradora de uma dessas
empresas é a Amaggi Exportação e Importação, que integra o grupo Amaggi,
gigante do agronegócio.
O jornal Folha de S. Paulo
revelou neste domingo (6) que a PF e o MPF apontam suspeitas sobre a atuação de
61 madeireiras, principalmente ao sul do Amazonas. Elas são investigadas na
Operação Arquimedes, a maior já deflagrada sobre o mercado ilegal de madeira no
país.
Um vasto esquema de pagamento de
propina, com 20 denominações diferentes dadas pelos investigados, garantiu a
lavagem de madeira, parte dela exportada para outros países, segundo documentos
das investigações.
A reportagem fez um cruzamento de
informações para constatar a atuação intensa das madeireiras em território
nacional, um ano depois da deflagração da segunda fase da Operação Arquimedes,
em 2019 - as investigações prosseguem.
A reportagem cruzou os dados das
61 madeireiras identificadas nos documentos da PF e do MPF com os dados abertos
alimentados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis), referentes à guia necessária para o transporte de
madeira.
Essa guia se chama DOF (documento
de origem florestal), e é imprescindível para o transporte do produto, sejam toras,
madeira serrada ou ripas, por exemplo.
Das 61 madeireiras investigadas,
18 (29,5%) fizeram uso de DOFs para transportar madeira ao longo deste ano.
O esquema investigado por PF e
MPF consiste em fraudes relacionadas a esse sistema. Créditos artificiais eram
criados para garantir a inclusão de madeira ilegal - extraída principalmente de
áreas de conservação e terras indígenas - no sistema de toras cortadas de áreas
de manejo, autorizadas por órgãos ambientais locais.
As 18 madeireiras que seguem com
um comércio intenso com outras empresas, apesar das suspeitas levantadas pelos
órgãos de investigação, têm 8,2 mil registros de DOFs no sistema do Ibama. Um
mesmo DOF pode se referir a uma mesma carga, mas cada registro equivale a uma
espécie ou um tipo de madeira transportado.
Dentre esses casos, a reportagem
não constatou a existência de outros países como destino final do produto. A
exportação pode ocorrer a partir das empresas compradoras, mas o perfil da
grande maioria dos clientes mostra que a madeira acaba alimentando o mercado
doméstico.
Esta constatação contradiz o
discurso do presidente Jair Bolsonaro. Em uma reunião virtual da cúpula do
Brics, bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, Bolsonaro
disse que divulgaria quem são os países compradores de madeira ilegal da
Amazônia brasileira.
A ameaça foi feita em 17 de
novembro.
O presidente se baseou nas
investigações da Operação Arquimedes para fazer a ameaça, que não foi cumprida.
Parte da madeira amazônica
extraída de forma ilegal alimenta o mercado exterior, mas numa proporção bem
inferior à movimentação dentro do país. Técnicos do Ibama ouvidos pela
reportagem estimam que 90% dessa madeira fica no Brasil.
Uma reportagem publicada pelo
jornal Folha de S. Paulo em 18 de novembro mostrou que dois despachos da
presidência do Ibama facilitaram a recirculação de madeira ilegal no mercado
doméstico e flexibilizaram a fiscalização.
As madeireiras investigadas, e de
onde é despachada a madeira, estão em Manicoré, Humaitá, Maués, Apuí, Lábrea,
Novo Aripuanã, Manacapuru, Itacoatiara, Rio Preto da Eva e Manaus, todos
municípios do Amazonas.
Não é possível, a partir da
análise dos dados disponíveis no banco de informações do Ibama, somar a
quantidade comercializada e transportada pelas 18 madeireiras.
Somente uma delas transportou 8,5
mil metros cúbicos de toras retiradas da vegetação em Lábrea, destinadas a
outras cidades do Amazonas e a Rondônia.
Os registros dos DOFs apontam que
a madeira tem origem aparentemente legal, sendo oriunda de áreas de manejo
autorizadas por órgãos ambientais. São espécies como samaúma, cerejeira,
angelim, roxinho e ipê.
A WS Madeireira Ltda., que teve
contêineres apreendidos pela PF em 2019 no porto de Manaus, segue transportando
madeira em 2020. O banco de dados do Ibama aponta 1.387 registros de DOFs, com
envio do produto a estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Ceará,
além de cidades no Amazonas.
Algumas espécies são angelim, ipê
e jatobá.
A Amaggi Exportação e Importação
é uma das destinatárias, conforme os registros do Ibama.
Advogado da WS, Marcelo Augusto
Pinheiro disse que um contêiner foi liberado e uma multa, derrubada. Outros
dois contêineres permanecem apreendidos e o restante das multas foi parcelado,
conforme o advogado.
"A Operação Arquimedes não
foi 100% correta. A imprensa militante e os ecoterroristas ficam escrevendo o
que não é correto", disse Pinheiro. "A PF não pode colocar todos no
mesmo balaio de gatos. Tem madeireiro bom e madeireiro mau."
Em nota, a Amaggi afirmou que
todas as suas compras estão em consonância com a regularidade ambiental e as
licenças relacionadas.
"A biomassa é utilizada como
fonte de energia para caldeiras e secadores de grãos. Toda compra está coberta
da devida documentação exigida por lei, emitida pelos órgãos ambientais
responsáveis, bem como com os registros junto ao Ibama."
Já a L Dias Comércio de Madeiras
tem 1.122 registros de DOF em 2020, conforme o banco de dados do Ibama.
Transportou madeira serrada e vigas de cedrinho, cupiúba e maçaranduba para
estados como São Paulo, Minas, Espírito Santo, Goiás e Rio Grande do Sul.
Segundo as investigações da PF e
do MPF, a madeireira é suspeita de receber créditos indevidos de madeira
oriunda de áreas de manejo. Documentos mostram também pagamentos da empresa a
servidores do Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), órgão
responsável por certificar o funcionamento dessas áreas de manejo.
Uma terceira madeireira com
movimentação expressiva é a Três R Comércio de Madeira, com 1.023 registros de
transporte neste ano. A empresa transportou principalmente toras e madeira
serrada de angelim, faveiro, jequitibá e maçaranduba. Ela é suspeita de crimes
ambientais e fraudes no sistema de DOFs, conforme as investigações.
A reportagem ligou nos telefones
informados das madeireiras e em escritórios de contabilidade, mas não conseguiu
localizar nenhum responsável. O Ibama não respondeu aos questionamentos da
reportagem.
O Ipaam, em nota, afirmou ter
suspendido licenças de empreendimentos envolvidos nas fraudes e disse ter
mudado o fluxo de processos, com informatização do licenciamento. Servidores
investigados foram afastados por decisão da Justiça, segundo o órgão.
VINICIUS SASSINE Da Folhapress - Brasília
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