2014/04/24

'Nascendo hoje', diz mãe de criança que morou por 3 anos em UTI de Natal

Dependente de ventilação, Débora morou quase toda a vida em uma UTI.
Família conseguiu na Justiça que Estado pagasse por serviço domiciliar.

Felipe Gibson Do G1 RN

Débora se despediu da equipe do Hospital Varela Santiago nesta quarta em Natal (Foto: Felipe Gibson/G1)Débora se despediu da equipe do Hospital Varela Santiago nesta quarta em Natal (Foto: Felipe Gibson/G1)
Durante quase toda a vida a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Infantil Varela Santiago, em Natal, foi a casa da pequena Débora, de 3 anos. Diagnosticada com um tipo de distrofia muscular, a menina deixou o lar aos 3 meses e precisa de ventilação mecânica para sobreviver. A dependência do ambiente hospitalar levou a família à Justiça. Depois disso, foi conquistado o direito ao serviço home care – que garante toda a estrutura para o paciente ser atendido em casa. O tratamento será pago pelo Estado do Rio Grande do Norte. "Para mim está nascendo hoje. Achava que ela nunca ia sair daqui", diz a mãe, Maria da Conceição da Silva, que deixa as visitas diárias ao hospital para cuidar da filha em casa.
Apesar de não mover as pernas e precisar de ventilação mecânica, Débora mexe os braços, sorri, faz birra e até interage piscando os olhos. "O que nos surpreende é que Débora tem a cabeça normal de uma criança de três anos. A distrofia não evoluiu e as funções cognitivas não foram afetadas", explica e pediatra intensivista Patrícia Lizandro. Quando chegou ao hospital com nove meses, a criança passou por exames, que foram enviados para São Paulo para análise. Os resultados indicaram que de fato Débora sofre de uma distrofia. O fato de interagir com todos fez da menina um 'xodó' da UTI.
Débora depende de ventilação mecânica para respirar (Foto: Maria da Conceição da Silva/Arquivo Pessoal)Débora virou 'xodó' da UTI do hospital
(Foto: Conceição da Silva/Arquivo Pessoal)
Foi com choros e sorrisos que aconteceu na noite desta quarta-feira (23) a despedida de Debinha, como ficou conhecida no Hospital Infantil Varela Santiago. Do caminho do leito que ocupava na UTI até a porta da ambulância que a levou para casa, a menina foi cumprimentada por diversos funcionários do hospital. "Todos estão com uma sensação de dever cumprido. O ambiente hospitalar não é adequado. Aqui ela corre risco de infecção, como já aconteceu, e vê outras crianças doentes, morrendo", reforça Patrícia.

Além de recorrer à Justiça, para tirar a filha da UTI, Maria da Conceição precisou comprar um apartamento que comportasse os equipamentos necessários para a ventilação mecânica. A casa em Nova Parnamirim, na Grande Natal, foi trocada por um apartamento no bairro Santa Tereza, também em Parnamirim, onde Débora enfim poderá morar com a mãe e o pai, que trabalha como porteiro. Uma equipe formada por médicos, enfermeiros, fisioterapeuta e nutricionista acompanhará a menina diariamente.
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Maria da Conceição e Débora foram para casa, em Parnamirim, de ambulância (Foto: Felipe Gibson/G1)Maria da Conceição e Débora foram para casa de
ambulância (Foto: Felipe Gibson/G1)
Justiça
Pacientes como Débora são chamados de crônicos. Quando as famílias não têm condição financeira de pagar por um serviço como o home care, que custa em média mais de R$ 25 mil mensais, a única saída encontrada tem sido a Justiça. Maria da Conceição só foi informada que poderia levar a filha de volta para casa quando soube do caso de uma mãe que ganhou o direito ao home care judicialmente.

"Falei com essa mãe, procurei um advogado e consegui", explica Conceição, que recebeu a notícia da decisão judicial favorável há dois meses. Desde então foram diversas reuniões entre a empresa que presta o serviço Home Care e o hospital. "A transição foi muito bem orquestrada", conta a pediatra.


Falta de leitos
Mais do que uma conquista para a família, a saída de Débora representa a desocupação de um leito de UTI no hospital. Sem perspectivas de alta, as crianças com patologias crônicas ficam em vagas que poderiam ser destinadas a pacientes agudos, que prejudica a rotatividade nos leitos. "Um número da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) mostra que para cada leito crônico, de 50 a 100 vidas deixam de ser atendidas", afirma Patrícia.
Emoção marcou despedida de Débora da UTI do Hospital Varela Santiago, em Natal (Foto: Felipe Gibson/G1)Emoção marcou despedida de Débora da UTI
(Foto: Felipe Gibson/G1)
Dos 10 leitos de UTI do Hospital Varela Santiago, dois ainda são ocupados por pacientes crônicos. Uma Unidade de Terapia Intensiva destinada só para crianças com patologias crônicas chegou a ser inaugurada em novembro do ano passado no Hospital Maria Alice Fernandes, na zona Norte de Natal, porém todas as vagas estão ocupadas.

Mesmo se o Estado pagasse o tratamento das crianças em casa, a médica Patrícia explica que existem outros problemas. "Muitas vezes falta interesse das mães e também tem a questão da infraestrutura dos imóveis. Famílias mais carentes não têm estrutura para receber as crianças em casa", reforça. Para a pediatra, a maior angústia profissional é não ter as vagas necessárias para atender os pacientes. "Quando digo não tenho vaga é como assinar um óbito. Crianças morrem por falta de leitos no Rio Grande do Norte", encerra.
Débora nos braços da mãe na saída da UTI, em Natal (Foto: Felipe Gibson/G1)Débora nos braços da mãe na saída da UTI, em Natal (Foto: Felipe Gibson/G1)
  

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