A Justiça do Trabalho concedeu
liminares em duas ações civis públicas movidas pelo Ministério Público do
Trabalho (MPT) contra a Cooperativa de Trabalho dos Prestadores de Serviços de
Sorriso (Coopserv’s) e também contra a Cooperativa de Trabalho Vale do Teles Pires
(Coopervale), com aplicação de multas de R$ 30 mil e R$ 50 mil.
As decisões visam o cumprimento
de normas trabalhistas de saúde e segurança nos serviços de manutenção de
iluminação pública e de coleta de resíduos sólidos no município de Sorriso. Uma
das práticas proibidas é o transporte de garis na parte externa de caminhões de
coleta de lixo.
As duas cooperativas foram
contratadas pela Prefeitura em 2017 após vencerem uma licitação. A Justiça do
Trabalho atendeu aos pedidos do MPT e estabeleceu multas de R$ 30 mil e R$ 50
mil para os casos de descumprimento das 47 obrigações impostas no total.
O MPT frisou nas ações que, nos
termos da legislação vigente, a responsabilidade pela implementação das normas
de saúde e segurança do trabalho é solidária, sendo, neste caso, também
obrigação do Município adotar postura ativa para garantir que as contratadas
respeitem as leis trabalhistas.
Na ação que corre contra a
Coopserv’s e o Município de Sorriso, o Juízo da Vara do Trabalho de Sorriso
proibiu o transporte de trabalhadores nos estribos e partes externas dos
caminhões compactadores de lixo e de qualquer outro veículo utilizado para a
coleta de resíduos.
A medida atende não apenas às
Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, mas também à NBR 14599 da
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e ao artigo 235 do Código de
Trânsito Brasileiro (Lei nº 9503/1997), segundo o qual conduzir pessoas,
animais ou cargas nas partes externas do veículo, salvo nos casos devidamente autorizados,
caracteriza infração grave, estando o infrator sujeito à multa e retenção do
veículo.
Essa liminar alcança os contratos
e serviços que a Coopserv’s realizar ou for a beneficiária/tomadora nos
municípios localizados na área de atuação da Procuradoria do Trabalho de Sinop
- Cláudia, Feliz Natal, Santa Carmen, União do Sul, Vera, Sorriso, Boa
Esperança do Norte, Ipiranga do Norte, Nova Ubiratã, Lucas do Rio Verde,
Itanhangá e Tapurah.
O MPT destacou o caráter
preventivo das decisões: “Quando em face de direitos fundamentais que vêm sendo
coletivamente violados, a solução jurídica mais adequada é aquela que previne a
lesão e não a que a ressarce após ocorrida”.
Em abril do ano passado, o MPT em
Sinop instaurou Inquérito Civil para apurar as circunstâncias de dois acidentes
de trabalho envolvendo garis de Sorriso. Em um dos acidentes, o trabalhador, ao
pegar um saco de lixo na porta de um restaurante, acabou se cortando com uma
faca que estava na sacola.
No mês seguinte, outro gari se
acidentou durante o serviço. Ele caiu da parte traseira do caminhão de lixo, e
acabou atropelado pelo veículo. A vítima, Jacques Germinal, de 43 anos, foi
socorrida pelo Corpo de Bombeiros e levada ao Hospital Regional, mas não
resistiu e morreu pouco depois.
O MPT, então, realizou inspeção
para verificar as condições de trabalho dos coletores de lixo da cidade. Ao
fiscalizar a cooperativa e a Secretaria de Obras da Prefeitura, responsável
pela gestão do serviço de limpeza urbana, o perito constatou uma série de irregularidades
que trazem riscos graves e iminentes, como quedas, choques mecânicos contra a
estrutura do caminhão em caso de freada brusca, contaminação decorrente do
contato direto com todo tipo de resíduo que se encontra depositado, exposição a
ruídos, dentre outras.
“Pude identificar que durante a
coleta de lixo os trabalhadores (coletores) são transportados nas áreas
externas dos veículos, mais especificamente em pé no estribo do veículo,
localizado na parte traseira do caminhão. Os coletores, com a utilização de sua
própria força braçal e do seu equilíbrio corporal, precisam se agarrar numa
barra de ferro transversal, alças nas laterais do veículo ou em cordas
improvisadas amarradas na barra de ferro do caminhão, sendo estas as únicas
medidas para se evitar uma queda do estribo”.
“Identifiquei ainda que os
coletores empregam grande agilidade nas atividades de coleta de lixo,
executando corridas pelas ruas da cidade de forma a coletar o lixo, e lançá-lo
dentro da bacia de carga do caminhão-compactador. Em diversos momentos, o
coletor corre em direção ao caminhão em movimento e pula para alcançar a barra
de ferro, ou as alças laterais, atitude esta considerada por este perito como
temerária, haja vista os riscos gerados decorrentes desta ação”, diz trecho do
relatório.
Durante a inspeção, foi
constatado que, apesar de obrigatória, a emissão da Comunicação de Acidente de
Trabalho (CAT), relativa aos episódios do corte da mão do trabalhador Mauro
José Farias e da morte de Jacques Germinal, sequer havia sido providenciada
pela Coopserv’s.
Na conclusão, o perito salienta
que as luvas utilizadas pelos coletores também não geram proteção adequada e
que a cooperativa não possui Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e
em Medicina do Trabalho (SESMT) e nem Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes (CIPA) constituídos.
Os representantes da Prefeitura
de Sorriso declararam no ato da inspeção que “os motoristas do caminhão do tipo
coletor-compactador não haviam recebido nenhuma capacitação para a operação do
caminhão; que não havia procedimento de trabalho para o serviço de coleta de
lixo; que não existia ordem de serviço sobre segurança e saúde no trabalho para
nenhuma função da Prefeitura de Sorriso".
Considerando a situação de
insegurança dos terceirizados que prestam à Prefeitura os serviços de limpeza
pública e de coleta de resíduos sólidos, o MPT salientou que “o trabalho em que
não é assegurado o respeito ao meio ambiente laboral, propiciando riscos à
saúde e à vida dos trabalhadores, privilegiando os aspectos econômicos em detrimento
dos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho,
ambos fundamentos da República, deve ser considerado antítese do trabalho
decente, sendo modalidade de trabalho indigno, violador de direitos humanos
fundamentais”.
Coopervale
Na ação movida contra a
Coopervale, o MPT demonstrou que a contratada deixa de cumprir normas do
trabalho em altura, de segurança em instalações e serviços em eletricidade e de
segurança no trabalho em máquinas e equipamentos.
Também em relação à cooperativa o
MPT apresentou relatório de inspeção realizada em suas dependências e na frente
de serviço para averiguar as condições ofertadas aos trabalhadores na atividade
de manutenção de iluminação pública e elétrica predial.
O laudo técnico, que inclui
registros fotográficos e depoimentos, concluiu que a Coopervale tem colocado os
cooperados em risco. Disponibiliza mão de obra para prestar serviços em
eletricidade e em altura sem fornecer equipamentos de proteção individual
(EPIs) suficientes e sem treinamentos específicos e satisfatórios, em desacordo
com diversas diretrizes e obrigações impostas nas Normas Regulamentadoras do
Ministério do Trabalho.
Para se ter uma ideia, os
trabalhadores utilizavam uma camionete com escada extensível acoplada em cima
de uma estrutura de ferro chumbada na carroceria do veículo, em cima de um
assoalho de madeira que estava em péssimas condições de conservação. A parte da
escada extensível também era de madeira, a qual apresentava rachaduras,
comprometendo ainda mais a resistência do material.
O Juízo da Vara do Trabalho de
Sorriso concedeu a liminar pontuando que as irregularidades apontadas pelo MPT
não só colocam em risco a saúde e a integridade física dos trabalhadores, mas a
sua própria vida. “Nesse contexto, com vistas a resguardar a integridade física
dos trabalhadores que se dedicam cotidianamente e se constituem na força motriz
de produção da empresa, medida mais enfática deve ser adotada”, asseverou a
magistrada.
Obrigações
À Coopervale foi fixado prazo de
30 dias para cumprimento das obrigações. O mesmo prazo foi concedido ao
Município de Sorriso, ao qual cabe assegurar o respeito e a execução das
obrigações em relação ao contrato firmado com a cooperativa.
O MPT solicitou a regularização
de todos os problemas apontados, entre eles o fornecimento de EPI´s adequados e
capacitação dos trabalhadores, de modo a abordar os riscos aos quais estão
expostos e as medidas de proteção para a prevenção de acidentes e doenças.
Já a Coopserv’s tem 60 dias para
promover a adequação do sistema de coleta de lixo. Até lá, deverá conduzir os
garis nos estribos dos caminhões apenas durante o recolhimento do lixo e em
baixa velocidade (no máximo 10 km/h).
Pela decisão liminar, o Município
também tem prazo de 60 dias para assegurar o respeito e implementação das
obrigações em relação ao contrato firmado com a terceirizada Cooperserv’s.
Em caso de realização direta dos
serviços, o Município terá as mesmas responsabilidades da cooperativa e deverá
fazer constar nos editais de licitação e contratos administrativos referentes
aos serviços de limpeza pública e coleta de resíduos sólidos a proibição
expressa do transporte de trabalhadores em caçambas dos caminhões, em estribos
dos caminhões-compactadores de lixo ou em suas partes externas e em qualquer
outro veículo utilizado na coleta de lixo.
Ao falar sobre o tipo de
contratação, se direta ou indireta, por meio de cooperativa, a juíza afirmou
não existir diferenciação quando se trata de meio ambiente de trabalho,
reforçando que “(...) a sua higidez e equilíbrio são medidas que se impõem
independentemente de tratar ou não de uma relação de emprego em sentido
estrito, ou seja, as normas atinentes à segurança do trabalho são aplicáveis às
relações de trabalho em sentido amplo e devem ser cumpridas por todos que se
beneficiem da força de trabalho, seja direta ou indiretamente”.
Uma audiência foi marcada para o
dia 27 de fevereiro na Vara do Trabalho de Sorriso. Os valores oriundos da
aplicação de multas pelo descumprimento das obrigações serão revertidos a
órgãos públicos ou instituições privadas sem fins lucrativos, que desenvolvam,
neste último caso, atividades de interesse público, ou, ainda, a fundos legais
voltados à seara laboral.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Todos os recados postados neste mural são de inteira responsabilidade do autor, os recados que não estiverem de acordo com as normas de éticas serão vetado por conter expressões ofensivas e/ou impróprias, denúncias sem provas e/ou de cunho pessoal ou por atingir a imagem de terceiros.