João, 9 anos, e Pedro*, 5, saíam
de casa para ir à escola com a barriga roncando. A fome era tanta que o
estômago doía. Tímidos e introspectivos, nunca tiveram coragem de contar à
professora que, muitas vezes, não almoçavam antes de ir para a aula por não ter,
em casa, o que comer.
A Escola Classe 3 de Ceilândia
Sul, onde estudam as crianças, só descobriu que os dois alunos passavam fome
quando os meninos faltaram aulas vários dias seguidos e a mãe das crianças
confessou a uma professora a dura situação enfrentada em casa.
A vida da família nunca foi
fácil, e tudo se tornou ainda mais complicado quando Antônio Carlos Silva
Sousa, 35 anos, pai dos meninos, perdeu o seu único meio de sustento. Ele era
ambulante e vendia água, doces e salgadinhos próximo à Feira de Ceilândia, mas
perdeu o carrinho e toda a mercadoria durante uma ação da Agência de
Fiscalização do Distrito Federal (Agefis), que apreendeu o material.
Até então, a família vivia com os
pouco mais de R$ 1 mil do trabalho de Antônio, o suficiente para pagar o
aluguel, comprar comida e quitar as despesas da casa.
Desde o dia em que perdeu o
carrinho com os produtos, o ambulante teme voltar às ruas e ter todo o material
apreendido novamente. A partir daquele momento, passou a catar latinhas pelas
ruas da cidade e em portas de grandes eventos.
“Eu saio de casa às 22h e só
volto quando sei que a quantidade que eu recolhi dará para comprar o arroz e o
feijão do dia seguinte. Antes, o dinheiro dava em cima da despesa, não sobrava
nada, mas também não faltava. Agora, se eu tiro muito, dá R$ 200 por mês”,
narra o pai das crianças.
“Provação”
Quando o filho caçula perguntou a
Antônio o porquê de eles não terem as coisas, conta Antônio, chegou a doer no
coração do pai. “Ele ia visitar os coleguinhas e chegava em casa perguntando:
‘Papai, por que meus amigos têm tanto brinquedo, comem tudo que querem e a
gente não tem?'”.
Sem dinheiro para pagar aluguel,
a família chegou a morar por dois meses dentro de um carro. Para ter a mínima
sensação de segurança, pai, mãe e os dois filhos se instalaram num posto de
gasolina próximo à entrada do Lixão da Estrutural, onde tomavam banho e viviam
de doações.
“Foi uma fase muito difícil das
nossas vidas. O Conselho Tutelar até quis tirar os meus filhos de mim. Eles são
a única coisa que eu tenho. Tive de implorar para não os levarem, mas a mão de
Deus tocou no policial que estava com eles e ele pediu para deixarem os meninos
comigo. Podem tirar qualquer coisa de mim, minha casa, dinheiro, tudo, mas meus
filhos, não”, emociona-se Antônio.
A família conseguiu alugar uma
casa, mas agora, terão que deixar o imóvel. Joyce, Antônio e os três filhos
serão despejados da residência, em Ceilândia Sul. Com três meses de aluguel,
contas de água e luz atrasadas, o proprietário perdoou os valores em atraso,
mas pediu a eles a desocupação da casa de fundos onde vivem.
A situação difícil da família já
tirou uma filha de Joyce Priscila Sousa, 28 anos, mãe das crianças. Aos 17 anos
de idade, quando teve a primeira menina, ela não teve condições de criá-la e
perdeu a guarda. Mais de 10 anos depois, o sonho de Joyce é reencontrar filha.
“Foi muito doloroso. Espero, do fundo do coração, poder dar outro abraço nela.”
Alunos que faltavam aulas por
passarem fome comovem escola do DF
Apoio e solidariedade
A professora Keila Oliveira, da
Escola Classe 3 de Ceilândia Sul, deu início a uma campanha para ajudar os pais
a conseguirem dinheiro para alimentos e aluguel.
Ao ouvir da mãe dos meninos, que
as crianças estavam faltando aulas por não terem o que comer no almoço, Keila
mobilizou os funcionários das escola para contribuírem com o que pudessem para
a família. O valor arrecadado foi suficiente para comprar um botijão de gás,
comida e pagar um mês de aluguel.
Uma vez, ele me falou que estava
bem fraquinho, disse que não tinha almoçado e ia desmaiar. A gente acaba se
aproximando muito dos alunos. Também sou mãe e aquilo me comoveu bastante”
“Só quero um emprego”
O pai das crianças se diz grato
por toda a ajuda, mas seu maior desejo, no momento, é conseguir um emprego
formal. “Eu já trabalhei com muita coisa, sou lavador de carros profissional.
Tudo o que eu quero é trabalhar fichado, para poder dar o sustento da minha
família, mas é muito difícil, ninguém quer contratar. Fico grato pelo perdão
dos aluguéis, mas quero trabalhar e pagar”, reforça.
Durante uma de suas saídas para
catar latinhas, conta Antônio, um grupo de garis o ameaçou ao vê-lo pegando o
alumínio nas lixeiras da rua. “Eles me chamaram de mendigo. Disseram: olha lá o
mendigo com os meninos. Falaram que iam me jogar na máquina de prensar lixo,
mas o motorista do caminhão mandou eles me deixarem trabalhar, que eu era só um
trabalhador”, descreve.
METROPOLES
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