Conhecidos como “ratos d’água”,
os criminosos atacam embarcações de transporte de combustível e produtos
eletrônicos
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A era dos piratas não acabou. Ela
apenas mudou de rota: da costa brasileira foi para os rios da Amazônia. Em vez
de olho tapado e espadas, capuz, metralhadoras e fuzis AR 15. Para comunicação,
sistema de rádio VHF. A nova “caça ao tesouro” agora é por combustível, que
representa 70% do prejuízo de R$ 100 milhões por ano para as empresas que fazem
transporte de carga pelos rios da floresta amazônica.
Também chamados de “ratos
d’água”, os piratas atuam sempre em grupos. Eles ficam de tocaia e, usando
rádios, articulam o ataque. O alvo predileto são embarcações que transportam
combustível e eletrônicos da Zona Franca de Manaus.
Com barcos pequenos e rápidos, os
piratas cercam as embarcações, amarram uma corda e sobem na balsa, encapuzados,
com luvas pretas e armas pesadas, fazendo arruaça. A tripulação é presa na
cabine e os piratas tomam o comando. Eles levam a carga roubada para um barco
maior, ancorado próximo às balsas. Em quase todas as ocorrências há também
roubo de combustível dos tanques das embarcações. Muitas vezes, os piratas
levam ainda todos os pertences da tripulação.
Os rios da Amazônia têm sido alvo
crescente de ataques de piratas. O número de assaltos nos trechos Manaus-Belém
e Manaus-Porto Velho quadruplicou de 50 em 2015 para mais de 200 em 2016,
segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários do Amazonas
(Sintraqua). Os ataques são feitos quase sempre à noite. Durante o dia, as
ações ocorrem com as embarcações em movimento, para chamar menos a atenção.
Nos pontos mais críticos,
empresas de transporte de carga só navegam acompanhadas de escolta armada. O
Estreito de Breves, canal fluvial de acesso ao Arquipélago do Marajó, no Pará,
é um dos trechos mais perigosos. A região é estratégica para o escoamento de
diversos produtos. Para atravessar o estreito, as embarcações precisam reduzir
a velocidade. É quando os piratas, que estão em barcos mais rápidos, atacam.
“Essa é a área vermelha. Nossa situação é horrorosa, pois a pirataria tem uma
ligação muito forte com o tráfico internacional de drogas”, ressalta Eduardo
Carvalho, presidente do Sindicato dos Armadores do Pará (Sindarpa).
Por dia, são registrados de dois
a três ataques no Estreito de Breves, com roubo de 20 mil a 30 mil litros de
combustível. “Sem falar de roubos de óleo de embarcações menores, que ocorrem
toda hora”, afirma Carvalho. Ele estima que os prejuízos do setor ultrapassem
R$ 100 milhões. “A situação piora a cada ano. O isolamento é completo.”
O comandante Enilson Antônio
Sousa Miranda, de 59 anos, relatou ao Estado o terror dos ataques piratas no
Estreito de Breves. Em uma noite de janeiro de 2015, ele foi feito refém
próximo à Vila de Antônio Lemos, em uma viagem de Belém para Santarém, numa
embarcação que transportava 30 carretas de cargas diversas. “Eu tinha acabado
de jantar. Me pegaram pelo macacão e colocaram um revólver 38 na minha cabeça.
Me bateram, pisaram no meu pescoço para eu deitar no chão e me levaram para a
proa.”
Segundo Miranda, os piratas
prenderam a tripulação nos camarotes e levaram tudo o que puderam em um barco
maior: aparelho de rádio de comunicação da embarcação, celulares, óleo diesel,
óleo combustível e até comida. Os bandidos estavam drogados. Traumatizado,
Miranda teve de fazer tratamento psicológico e psiquiátrico. Meses depois, ele
foi demitido. “Não tem segurança nenhuma ali.”
Depois de trabalhar por 20 anos
no trecho Rio Paraguai-Paraná, o comandante Marcelo Conceição de Oliveira
passou a navegar na Amazônia há três meses. Ao passar pelo trecho para Belém, ficou
com medo de ataques de piratas, algo que, segundo ele, não existia na outra
região. “Praticamente não dormi com a minha tripulação.”
Operação conjunta. Cientes dos
ataques de piratas, autoridades do Pará passaram a atuar de forma conjunta,
valendo-se de serviços de inteligência, principalmente no Estreito de Breves.
“O pessoal invade e rouba toda a carga. O que pesa muito é a questão do roubo
de carga da Zona Franca de Manaus”, afirma o delegado Ualame Fialho Machado,
superintendente regional da Polícia Federal no Pará. Levantamento do Sindarpa
aponta que 71% dos assaltos ocorrem em áreas onde não há nenhum sistema de
comunicação disponível, o que dificulta que a polícia seja acionada. “Quando só
roubam, digo que é lucro, pois é um grupo muito violento”, diz o delegado.
Um dos agravantes para a
pirataria na Amazônia é o envolvimento da própria tripulação. Todas as
investigações presididas pelo delegado Dilermando Dantas Júnior, diretor do
Grupamento Fluvial de Segurança Pública no Pará (GFLU), constataram o
envolvimento de pelo menos um tripulante nas ocorrências. “E tinha inquérito
com toda a tripulação envolvida.”
As empresas de transporte
reclamam da falta de mão de obra especializada. “Se não tivermos formação de
aquaviários em grande escala e mais bem preparados, não vamos conseguir
combater a pirataria”, ressalta Raimundo Holanda, presidente da Federação
Nacional das Empresas de Navegação Aquaviária. Por meio de nota, a Marinha
informou que não há relação entre o aumento de roubo e a possível “falta de
aquaviários” na região.
Os trabalhadores se defendem. “O
aquaviário é assaltado no meio do rio, faz o BO na delegacia mais próxima e,
quando chega na cidade, ainda é preso. É humilhante”, reclama o capitão Rucimar
Souza, presidente do Sintraqua.
Fonte: AGÊNCIA ESTADO
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