Dois jornalistas do UOL foram
agredidos por manifestantes contrários ao governo Michel Temer enquanto
entrevistavam um grupo que defendia uma intervenção militar no Brasil. Uma
pessoa tentou impedir a entrevista e, após sofrerem empurrões, levarem chutes e
serem atingidos por garrafas com água, Leandro Prazeres e Kleyton Amorim
ficaram com hematomas.
Apesar dela ser essencial para a
democracia, a própria sociedade não entende bem o papel que a imprensa
desempenha. Muitas vezes nem nós, jornalistas, entendemos bem o que ela
significa. Ou o papel que desempenhamos. Ou as ordens que recebemos. Ou a
opinião do veículo em que estamos em contraste com as reportagens que
produzimos. Ou a função social de nosso trabalho. Ou o porquê de nosso
trabalho, às vezes, não ter função social alguma.
A imprensa, como qualquer outro
ator social, pode e deve ser criticada, mas isso não deve descambar nunca para
ataques e violência. Jogar pedras contra o prédio de uma redação ou atacar
repórteres é estúpido e não aceitável sob nenhuma hipótese e esses atos
deveriam ser repudiados da mesma forma que nos indignamos contra a violência a
manifestantes.
A personificação em uma pessoa do
descontentamento contra uma cobertura, uma opinião editorial ou a situação da
economia e da política como um todo é uma idiotice sem tamanho e inadmissível.
Parte da sociedade não entende um
ataque a um jornalista como um ataque à liberdade de expressão, um pilar da
democracia. Vê isso como uma manifestação do descontentamento ao estado das
coisas. Incendiada por conteúdos superficiais distribuídos principalmente pelas
redes sociais e não acostumada ao debate público de ideias, à aceitação da
diferença de opinião e à empatia pelo outro, parte para a ignorância. Cede aos
discursos fáceis e toscos.
Então, não são apenas os
agressores diretos de jornalistas que deveriam ser responsabilizados nesse
processo, mas também quem insufla violência contra profissionais de imprensa –
seja ela tradicional ou independente, um equipe de TV ou uma blogueira
solitária.
Da mesma forma que algumas
lideranças religiosas podem, através de discursos de intolerância, armar
pessoas comuns para agir contra inocentes em casos de homofobia, machismo,
entre outros, o mesmo pode ocorrer contra jornalistas – reservadas as devidas
proporções. Cansei de dizer por aqui que não é na porrada louca que a
comunicação será democratizada no país.
Ao mesmo tempo, vale sempre
lembrar que a maior parte das instituições do Estado brasileiro não dá a mínima
se um jornalista é ferido ou morto. Pelo contrário, levantamento da Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) mostra que a maior parte dos
casos de violência em manifestações foram levados a cabo por policiais, que
sabiam muito bem o que estavam fazendo, pois o profissional de imprensa estava
devidamente identificado como tal. Atuaram dessa forma para censurar o
jornalista e impedir a livre circulação de informações.
Punir os responsáveis é
fundamental. Mas o ataque à impunidade sozinho não vai resolver a questão de
como a imprensa é vista ou tratada, pela sociedade ou pelo Estado. Para isso,
precisamos ampliar o debate público sobre a importância do jornalismo.
As mudanças tecnológicas que
tiraram do jornalista convencional o monopólio da mediação da circulação de
notícias e criaram estruturas de difusão que não dependem da imprensa
tradicional ou alternativa (como são as redes sociais), se – por um lado –
abriram oportunidades únicas para a democratização da comunicação, por outro,
também criaram enormes desafios.
Gostando ou não deles, veículos
de comunicação tradicionais ou alternativos, independentemente de sua linha
editorial, seu tamanho e posição ideológica, estão no espectro visível e operam
à luz do dia. Podem ser responsabilizados judicialmente por algo errôneo,
calunioso ou difamatório que divulgaram.
Contudo, a pulverização de
veículos e páginas apócrifos e anônimos (que se escondem e nãodão acara para
bater), pertencentes a grupos que não se importam em ter sua reputação
questionada, tem contribuído para a formação incompleta ou deturpada de uma
quantidade significativa de pessoas. Acredito que parte da sociedade que se
informa apenas por contas de redes sociais vinculadas a alguns desses sites
passou a interpretar o mundo de uma forma, não raro, mais polarizada e
agressiva que aquela que consulta veículos tradicionais ou alternativos.
As pessoas consomem informação
sem fazer diferenciação entre o que é confiável e o que não é. Porque muitas
não querem ser informadas sobre fatos (o que significaria um processo, não
raro, doloroso de educação), mas sim obter argumentos para sustentar seus
pontos de vista ou seus preconceitos. Seja à esquerda ou à direita.
A solução passa pela formação de
leitores para que possam separar o joio do trigo. Para que possam se
questionar, a todo o momento, se a informação que receberam faz sentido ou se
apenas uma fonte é suficiente para formar sua opinião. Ou se a fonte que está
lhe informando algo tem ou não credibilidade além da credibilidade que a
quantidade de likes, retuitadas e compartilhamentos fantasiosamente conferem a
algo.
O problema é que não há sinal de
que isso será incorporado aos currículos escolares. Muito menos debatido com
propriedade nas instituições responsáveis por levar adiante o pensamento
hegemônico – escola, igreja, família e mídia.
Creio que a pergunta que fica é:
queremos realmente uma democracia ou só a usamos formalmente para encobrir
nossa incapacidade de fugir de nossa natureza de ódio e intolerância?
Leonardo Sakamoto
UOL
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