Fonte: BBC Brasil
Com suas fronteiras definidas há mais de um século, o Brasil pode em
breve perder parte de suas terras para a Bolívia - ou, pelo menos, é o
que temem os moradores de uma cidade brasileira na fronteira com o país
vizinho. A acelerada erosão nas margens do rio Acre, na divisa entre as
duas nações, está perto de fazer com que parte da cidade de Brasileia,
no Acre, perca a ligação terrestre com o resto do município, tornando-se
uma ilha cercada pela Bolívia.O país jamais manifestou interesse pelos bairros de Brasileia que podem ficar ilhados, mas isso parece não tranquilizar alguns moradores inquietos. "Vamos ter que virar tudo boliviano", diz à BBC Brasil o comerciante e líder comunitário João Oliveira Magalhães, um dos 2 mil moradores da área, que abrange os bairros de Samaúna e Leonardo Barbosa. Magalhães, 61, mora com a esposa e um de seus 11 filhos no trecho mais vulnerável à erosão, a cada vez mais estreita faixa de terra que liga os dois bairros às demais partes de Brasileia. "O rio está comendo muita terra, o barranco está no toco". Veja Álbum de fotos Os bairros - habitados por cerca de 500 famílias pobres - foram erguidos num meandro, um trecho sinuoso do rio. Meandros são bastante sujeitos a mudanças de curso por causa de chuvas ou de ações humanas. Magalhães afirma que, se os bairros perderem a ligação com o resto da cidade, a Bolívia reclamará a área, já que ela se tornaria quase um enclave brasileiro na cidade boliviana de Cobija. "Na minha experiência, não vão dois anos para apartar o lado que vai ficar para a Bolívia. O Brasil vai perder muita terra". Segundo um estudo do engenheiro Oscar Martins, da Universidade de Santa Maria (RS), o trecho que liga os bairros ao resto do município perdeu 15 metros de largura entre 1997 e 2008. Desde então, segundo a prefeitura, ele continua encolhendo. Em 2013, a faixa media 20 metros de largura e, na semana passada, após uma forte chuva, reduziu-se para 18 metros. O último deslizamento, diz Magalhães, deixou dependurado o bar que ele mantém no fundo de sua casa, à beira do rio. O temor de que a Bolívia reivindique a área ecoa rivalidades históricas. O território que hoje é o Acre pertenceu ao país vizinho até 1899, quando seringalistas brasileiros que o habitavam iniciaram uma revolta contra autoridades bolivianas. Vitoriosos, eles chegaram a declarar uma república independente, até que, em 1903, o Barão do Rio Branco assinou com a Bolívia o Tratado de Petrópolis, que garantiu o domínio brasileiro sobre a área. Apesar dos temores, porém, a Bolívia jamais manifestou interesse pelos bairros de Brasiléia que podem ficar ilhados. E segundo o Ministério de Relações Exteriores do Brasil, a fronteira entre os dois países não está sujeita a variações do curso do rio Acre. Em nota à BBC Brasil, o órgão diz que recentemente Brasil e Bolívia definiram novos marcos fronteiriços na área do meandro. O Itamaraty afirmou ainda que o Exército, a Agência Nacional de Águas e a Defesa Civil estão se coordenando "para adotar as providências necessárias à contenção do processo erosivo" no local. No entanto, segundo o prefeito de Brasileia, Everaldo Gomes (PMDB), "no momento não existe uma solução para o problema". Ele diz que a obra de contenção está na fase de estudos e que viajará em breve a Brasília para tentar acelerar o processo. "A liberação de recursos é difícil. Nosso medo é que na próxima enchente o bairro fique isolado." Nesse caso, afirma o prefeito, a saída será construir uma ponte. Gomes diz que, sem o dinheiro federal, a prefeitura de Brasileia não tem o que fazer, por já estar sobrecarregada. Imigrantes Há alguns anos, a cidade, de 22 mil habitantes, passou a abrigar milhares de imigrantes - em sua maioria haitianos - que têm entrado no Brasil pela Amazônia, após longas viagens por terra desde o Equador. Segundo o governo do Acre, há hoje na cidade 2.500 imigrantes, ou 11% da população local. Enquanto as autoridades adiam a solução para o problema à beira do rio, o morador João Oliveira Magalhães passa os dias de olho nas águas do Acre. Ele propõe outra solução para o impasse - uma que, em suas palavras, respeitaria "a vontade do rio": que os governantes construam casas para os moradores em outro ponto da cidade. Dessa maneira, ninguém correria o risco de ficar isolado ou de ser arrastado por deslizamentos. Desde que mora ali, Magalhães afirma que o rio "comeu" 15 metros de largura do terreno de sua casa. "Não conseguimos mais dormir pensando que o rio pode nos levar. A água está quase chegando". Foto: Ascom/Acre |
2014/04/04
Bairro ilhado no Acre teme virar parte da Bolívia
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