Duas irmãs foram internadas em um
hospital particular no Recife apresentando mal-estar e dores após a ingestão de
peixe da espécie arabaiana. Segundo a família delas, os médicos confirmaram o
diagnóstico de Síndrome de Haff, conhecida como "doença da urina
preta". O governo de Pernambuco informou que investiga cinco casos dessa
doença rara no estado.
Os principais sintomas da
Síndrome de Haff são:
falta de ar;
dormência e perda de força em
todo o corpo;
urina cor de café (leia mais
sobre isso abaixo).
A empresária Flávia Andrade, de
36 anos, e a irmã dela, a médica veterinária Pryscila Andrade, de 31 anos,
chegaram ao Hospital Português, no bairro do Paissandu, na área central da
capital pernambucana, no dia 16 de fevereiro.
A internação ocorreu horas após
almoço, que tinha no cardápio o peixe arabaiana, também conhecido como
"olho de boi", de acordo com a mãe das pacientes, a empresária
Betânia Andrade. O alimento foi comprado no bairro do Pina, na Zona Sul da
capital.
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"Flávia fez um almoço na
última quinta-feira e convidou eu e Pryscila. Além de nós, tinha o filho de
Flávia, de 4 anos, e duas secretárias. Os cinco comeram o peixe, menos eu.
Quatro horas depois, Pryscila enrijeceu toda, teve cãibra dos pés até a cabeça
e não conseguia andar. Meu neto, de madrugada, teve dores abdominais e
diarreia, e as duas secretárias sentiram dores nas costas", disse Betânia.
Irmã das duas pacientes, a
enfermeira e estudante de medicina Aline Andrade gravou um vídeo e enviou para
o WhatsApp da TV Globo falando sobre o caso.
"As minhas irmãs comeram
esse peixe e ele está aparentemente associado a uma toxina que leva à Síndrome
de Haff. Elas consumiram esse peixe e, quatro horas após, apresentaram os
sintomas. É um período muito curto, é uma doença rara. A minha irmã [Pryscila]
teve um quadro de dor muito grande, ficou rígida, caiu dura no chão",
contou Aline.
Ainda de acordo com a mãe delas,
o diagnóstico da doença de Haff foi informado pelo hospital no sábado (20).
"Flávia foi visitar Pryscila
na UTI [Unidade de Terapia Intensiva] e escutou o médico conversando com outra
pessoa sobre uma doença associada ao consumo de arabaiana. Ela interrompeu a
conversa e contou que tinha comido, com a irmã, esse peixe. Foi quando ele
diagnosticou a síndrome de Haff em Pryscila e encaminhou Flávia para fazer
exames, sendo internada no quarto, pois ela não aceitou ir para a UTI",
disse.
A mãe também contou que, nesta
terça-feira (23), Flávia continuava no quarto e Pryscila e permanecia na UTI.
"Flávia está no apartamento,
pois baixaram as taxas dela, como de leucócitos. Já as taxas de Pryscila
continuam altas, pois ela comeu uma porção maior do peixe e está com o fígado
comprometido, os rins paralisados e com água no pulmão", afirmou Betânia.
Procurado pelo G1, o Hospital
Português afirmou que não tem "autorização da família para envio de
boletim médico" sobre o estado de saúde das duas irmãs.
A mãe das duas pacientes fez um
apelo para que informações sobre a doença sejam mais divulgadas para a
população com o objetivo de evitar outros casos.
“Essa é uma síndrome pouco
conhecida, inclusive nos hospitais, é uma raridade. A fiscalização tem que bater
em cima, pois estamos na Quaresma, quando se come muitos peixes e crustáceos. A
população precisa ficar ciente que pode haver uma infecção”, relatou Betânia.
Segundo o médico infectologista
Filipe Prohaska, as causas da doença de Haff são pouco conhecidas, mas podem
estar associadas a peixes como arabaiana e tambaqui mal acondicionados (leia
baixo mais sobre o assunto).
Casos da doença em Pernambuco
Em nota, a Secretaria Estadual de
Saúde (SES) informou que, no fim da tarde da segunda-feira (22), "foi
notificada, pelo Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde
(Cievs) do Recife, de cinco casos de mialgia aguda, suspeitos para doença de
Haff".
A pasta explicou que dá apoio
técnico para a investigação epidemiológica conduzida pela secretaria municipal
de Saúde do Recife.
"Após a notificação, a SES
orientou sobre a investigação epidemiológica de todos aqueles que consumiram o
alimento, assim como a coleta do referido insumo para encaminhamento ao
Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco (Lacen-PE) para que sejam
providenciadas as análises laboratoriais. A doença de Haff é caracterizada pela
presença de toxina biológica presente em pescados", disse.
Ainda segundo a secretaria,
Pernambuco registrou, entre 2017 e 2021, 15 casos da doença, sendo dez
confirmados (quatro em 2017 e seis em 2020) e cinco em investigação (em 2021).
"Por meio da Rede de Centros
de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (Rede Cievs), acompanha e
mantém toda rede de serviços de atenção e vigilância do Estado alerta para a
notificação de casos suspeitos da doença", afirmou.
Também por meio de nota, a
Secretaria de Saúde do Recife disse que "os casos estão sendo investigados
pela Vigilância Epidemiológica do município".
O que se sabe sobre a doença
As causas da doença de Haff ainda
são pouco conhecidas. Ela é uma síndrome de rabdomiólise (ruptura de células
musculares) sem explicação e se caracteriza por ocorrência súbita de extrema
dor e rigidez muscular.
Outros sintomas são falta de ar,
dormência e perda de força em todo o corpo, além da urina cor de café,
associada à elevação da enzima CPK, relacionada à ingestão de pescados.
“O músculo vai morrendo e criando
uma concentração de proteínas que o rim absorve e vai deixando a urina preta,
nos casos mais graves. Se a absorção continuar, causa uma lesão no rim e eles
param de funcionar. Por isso, o tratamento dos casos graves é com hemodiálise,
para poupar o rim”, afirmou o médico infectologista Filipe Prohaska.
Ele atendeu pacientes com a
doença em Pernambuco em 2017 e disse que a síndrome pode deixar sequelas.
"É por causa da lesão renal.
Se não for tratada, [o paciente] pode ficar em hemodiálise o resto da vida. E
pode ter uma lesão muscular muito grave, chamado astenia pela miopatia, quando
a pessoa fica como se não tivesse massa muscular, com dificuldades para
levantar e exercer atividades comuns", explicou.
Ainda de acordo com o médico, não
é todo tipo de peixe que oferece riscos de a pessoa desenvolver a doença de
Haff.
"Além de arabaiana, o
tambaqui também tem essa toxina, que é um produto de degradação do peixe, o que
ocorre quando ele não é transportado nem acondicionado em temperaturas ideais
(de --2 a 8 ºC). O grande problema é que essa toxina não tem gosto",
declarou.
Filipe Prohaska listou alguns
cuidados importantes para evitar a doença.
"A grande questão é saber a
procedência do peixe que você está consumindo. Checar se está sendo bem
acondicionado no local da compra, se o local garante a forma como ele foi
entregue. Quando comprar peixe na feira, tem que verificar se ele está
condicionado no gelo, mantendo a temperatura, ou apenas exposto", disse.
O especialista citou algumas
recomendações para quem apresentar sintomas da doença.
"O melhor tratamento é a
hidratação rigorosa, tem que beber muita água, pois essa é a forma de eliminar
a toxina de forma mais rápida, já que ela sai pela urina. Nos casos mais
graves, com a urina escurecendo ou se parar de urinar, o ideal é procurar logo
o hospital", contou.
Orientações gerais para a
população:
Aos primeiros sintomas, busque
uma unidade de saúde imediatamente e identifique outros indivíduos que possam
ter consumido o mesmo peixe ou crustáceo para captação de possíveis novos casos
da doença.
Para profissionais de saúde:
Observar a cor da urina (escura)
como sinal de alerta e o desenvolvimento de rabdomiólise, pois, nesse caso, o
paciente deve ser rapidamente hidratado durante 48 a 72 horas;
Evitar o uso de
anti-inflamatórios;
Na ocorrência de casos suspeitos,
recomenda-se exame para dosagem de creatinofosfoquinase (CPK), TGO e
monitorização da função renal.
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