Nos mais de trinta e cinco anos
de Polícia Civil de carreira no estado de Mato Grosso, sempre existiram
“chefes” acometidos deV “doutorite aguda crônica,” porém, em números
relativamente insignificantes perante o todo. Fato que tem despertado a atenção
e acendido a luz de alerta é a elevada incidência de assédio moral e atos ou
ações que podem ser consideradas como abuso de autoridade cometidas por alguns
chefes, principalmente novatos.
É inaceitável que a Polícia
Judiciária Civil, após adquirir uma sólida maturidade institucional, sofra
tamanho retrocesso, por má qualificação acadêmica ou por anuência tácita de
política administrativa regional ou local inadequada.
A Polícia Judiciária Civil afirma
na narrativa de seu histórico, através
do endereço eletrônico http://www.pjc.mt.gov.br/historico.php, que “Se o
ser humano é a essência de todas as instituições, o aperfeiçoamento do aparelho
policial exige uma abordagem humanista e ética, que vise desenvolver e
dignificar principalmente o policial. O policial deve ser cooptado para ser
autor de mudanças sociais, convencido de que a busca da excelência do serviço
passa por uma preocupação contínua com a melhoria, num processo que tem como
motor a sua autoestima e valorização.”
Tal afirmativa está em sintonia
com o que defende a grande maioria dos policiais civis, embora, uma pequena
parcela queira reinventar a roda, acreditando que respeito não se adquire, se
impõe.
O sindicato dos investigadores
tem veementemente denunciado a recorrência de práticas autoritárias e abusivas
que se materializam, por exemplo, através de portarias cujo teor não encontra
amparo legal, como é o caso de uma portaria em que um chefe determina sob pena
de procedimento administrativo que os investigadores permaneçam com os
celulares particulares (não funcionais) ligados durante sua folga, que cumpram
escala de “apoio” (sobreaviso disfarçado) além das 40 horas semanais, sem que o
estado pague as devidas horas extras, e ainda, que o policial durante sua folga
só possa sair da cidade mediante autorização do chefe.
Qualquer semelhança da situação
descrita com a condição de um réu cumprindo medida cautelar é mera
coincidência. Seria cômico se tal arbitrariedade não fosse cometida por “Sua
Excelência o Doutor."
Como é sabido por qualquer
acadêmico dos primeiros semestres de direito, a Administração Pública está
vinculada à lei, ou seja, diferente da iniciativa privada, o servidor público
só pode fazer aquilo que a lei prevê, no entanto, alguns gestores, sem a mínima
experiência administrativa, tem inovado, sob a falsa ilusão de que por ser
chefe tudo podem.
Não é demais esclarecer, que a
carreira policial civil é uma carreira de nível superior, composta por três
cargos, conforme prevê o artigo 109 da Lei Complementar 407 de 30 de junho de
2010.
Com o nível de capacitação
acadêmica superior, os investigadores e escrivães, não mais aceitam serem
tratados por chefes (sejam eles integrantes de qualquer um dos cargos), com
falta de respeito, ou, se submetem a cumprir determinações arbitrárias ou que
extrapolem as previsões legais, gerando assim, conflitos que muitas vezes
culminam em assédio moral, perseguições ou transferências de unidades e até mesmo de cidades, sob o
pretexto de conveniência administrativa ou por interesse da administração.
Embora o requisito acadêmico para
ingresso nas fileiras da Polícia Judiciária Civil, nos cargos de investigador e
escrivão seja graduação superior em qualquer área do conhecimento,
aproximadamente um terço desses profissionais são bacharéis em direito, sendo
que grande parte advogava antes de se tornar policiais.
Preocupa-nos ainda mais, a
situação de perseguição e assédio sofridos por policiais que à anos fixaram
residência em cidades situadas nos extremos do Estado, tendo constituído
família, construído reputação e conseguido o reconhecimento social, os quais
nesse momento, recorrem à entidade representativa de classe para lhes prestar
apoio jurídico, já que a instituição polícia civil não tem conseguido gerir
certas crises administrativas pontuais.
O Estatuto da Polícia Judiciária
Civil, anacrônico, ineficiente e voltado para os interesses de um dos cargos em
detrimento dos demais, define atribuições arcaicas e desconexas com a
atualidade, além de corporificar a ideia de que a meia dúzia de “Suas
Excelências, os Doutores” tudo podem, através da aplicação do capítulo que
trata dos deveres, das proibições e das responsabilidades.
Infelizmente denota-se que se tem
formado chefes, em um momento histórico em que a polícia anseia por líderes.
Não se deve olvidar do fato de
que a polícia civil é investigativa, atuando na apuração das infrações penais,
visando a caracterização do crime e sua autoria, não bastando para tanto, o
mero conhecimento acadêmico das leis. O conhecimento dos dramas humanos e a
expertise policial adquirida através da práxis laboral são primordiais para a
prestação de uma segurança pública de qualidade.
Os fatos expostos, aliados a
inúmeros outros fatores, demonstram a premente necessidade de se repensar a
estrutura da polícia judiciária civil, devendo para tanto, se valorizar o
conhecimento acadêmico somado a experiencia profissional, assim como acontece
em países mais desenvolvidos.
Gláucio de Abreu Castañon é
bacharel em Direito, licenciado em Letras, especialista em Direito Penal e em
Inteligência de Segurança Pública, e Vice-presidente do Sindicato dos
Investigadores de Polícia de Civil do Estado de Mato Grosso.
Por Gláucio de Abreu Castañon
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