Ao longo de seu período na
prisão, Lula esteve custodiado em uma sala transformada em cárcere e sem
grades. Para quem entra, a primeira visão era a da cama, ao lado da qual quatro
cadeiras circundavam uma mesa redonda com livros empilhados e folhas de
anotações. Fixada à parede, uma TV de plasma transmitia apenas canais abertos
e, ao lado do aparelho, um armário de madeira onde o ex-presidente guardava
suas roupas — o petista normalmente usava chinelos, bermuda e camiseta. Atrás
do armário, uma divisória separa o quarto-sala do banheiro, onde há um boxe com
chuveiro elétrico, uma pia e um vaso sanitário. O espaço ainda recebeu uma
esteira ergométrica, usada por Lula para se exercitar.
Conforme estimativa da PF em
abril de 2018, o custo mensal do aparato era de 300.000 reais mensais, cifra
que poderia totalizar em 5,8 milhões de reais o custo da “operação Lula” na
sede da corporação desde que ele foi preso.
Lula recebia visitas frequentes
dos quatro filhos, Fábio Luiz, Sandro Luís, Luís Cláudio, Marcos e Lurian,
noras, netos e da namorada, a socióloga Rosângela da Silva, a Janja, com quem
ele está decidido a se casar – o petista ficou viúvo em fevereiro de 2017,
quando a ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva morreu vítima de um AVC.
Na cadeia, o ex-presidente se
tornou um leitor assíduo. Segundo o Instituto Lula, a lista de livros lidos por
ele no período inclui Homo Deus (Yuval Harari), A Elite do Atraso – Da
Escravidão à Lava Jato (Jessé Souza), Laika (Nick Abadzis), Os Beneditinos
(José Trajano), O Amor nos Tempos do Cólera (Gabriel Garcia Márquez), Vá,
Coloque Um Vigia (Harper Lee), Feminismo Em Comum – Para Todas, Todes E Todos
(Márcia Tiburi), O Último Cabalista de Lisboa (Richard Zimler), Um Defeito de
Cor (Ana Maria Gonçalves), Dois Cigarros (Flávio Gomes), Quem Manda No Mundo?
(Noam Chomsky), A Poeira e a Estrada (Maciel Melo), O Voto do Brasileiro
(Alberto Carlos Almeida) e O Sol na Cabeça Geovani Martins), entre outros.
Enquanto abrigou o primeiro
ex-presidente da República preso por crime comum, a Superintendência da PF
virou ponto de peregrinação de intelectuais e personalidades de esquerda, além
de políticos estrangeiros e brasileiros – alguns dos quais, habilitados como
advogados dele, tinham acesso mais amplo, como a presidente do PT, deputada
Gleisi Hoffmann, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, o deputado
estadual Emídio de Souza (PT-SP), os ex-deputados federais Wadih Damous (PT-RJ)
e Luiz Eduardo Greehalgh (PT-SP) e o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão.
Passaram pela sede da PF em
Curitiba a ex-presidente Dilma Rousseff, o presidente eleito da Argentina,
Alberto Fernández, e os ex-presidentes Pepe Mujica, do Uruguai, e Ernesto
Samper, da Colômbia, além do ex-líder do partido alemão SPD Martin Schulz. Os
governadores da Bahia, Rui Costa (PT), do Piauí, Wellington Dias (PT), e do
Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) também visitaram o ex-presidente, assim como os
ex-ministros Celso Amorim e Aloizio Mercadante, deputados federais, senadores e
sindicalistas.
Fora da política, foram a
Curitiba e se encontraram com Lula dois vencedores do prêmio Nobel da Paz, o
indiano Kailash Satyarthi, laureado em 2014, e Adolfo Pérez Esquivel, premiado
em 1980, assim como os cantores e compositores Chico Buarque e Martinho da Vila
e o ator americano Danny Glover. O petista também recebia visitas de líderes de
diversas religiões, como padres, pastores, monges e um pai de santo.
Mortes de familiares
Lula perdeu dois familiares
enquanto esteve preso em Curitiba: seu irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá,
de 79 anos, morto em janeiro de 2019; e seu neto Arthur Araújo Lula da Silva,
de 7 anos, morto em abril de 2019.
No caso de Vavá, vítima de um
câncer no pulmão, o ex-presidente não acompanhou velório e sepultamento. A
juíza Carolina de Moura Lebbos, responsável pela execução penal do petista,
negou pedido dele para ir às cerimônias, em São Bernardo do Campo, após
pareceres negativos da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, que
alegaram problemas logísticos para o deslocamento do petista e riscos de
segurança. Minutos antes do enterro, o presidente do STF, Dias Toffoli,
permitiu que o ex-presidente encontrasse os familiares, o que já não era
possível.
Surpreendido pelo falecimento de
Arthur, filho de Sandro Luís Lula da Silva, o ex-presidente foi autorizado pela
magistrada e deixou a cadeia para ir ao velório, também em São Bernardo. A informação
inicial era de que a causa da morte da criança havia sido meningite
meningocócica, retificada um mês depois, quando se descobriu que Arthur fora
vítima de uma infecção generalizada causada pela bactéria Staphylococcus
aureus.
Eleição de 2018
Enquadrado pela Lei da Ficha
Limpa e impedido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de concorrer à
presidência da República na eleição de 2018, Lula acompanhou da prisão a
vitória do presidente Jair Bolsonaro sobre o “plano B” do PT, Fernando Haddad,
registrado inicialmente como candidato a vice do ex-presidente.
Ilustração da cela onde Lula estava preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba |
Durante o primeiro turno, o
horário eleitoral do candidato petista, que teve como vice a ex-deputada
Manuela D’Ávila (PCdoB), explorou fartamente a imagem de Lula, com vídeos
gravados antes da prisão e o slogan “Haddad é Lula, Lula é Haddad”.
A estratégia de transferência de
votos do ex-presidente, líder das pesquisas de intenção de voto que levavam seu
nome, mostrou-se bem sucedida e levou Fernando Haddad ao segundo turno contra
Bolsonaro. Na parte decisiva da disputa presidencial, Lula desapareceu das
peças de propaganda do ex-prefeito, em busca do eleitor de centro.
Mesmo solto pela decisão do STF,
Lula continua inelegível. Ele, no entanto, pode atuar politicamente e
participar normalmente de caravanas e atos políticos, como planeja o PT.
Quase solto duas vezes
Antes de deixar a cadeia em
função da decisão do STF, o ex-presidente esteve em vias de ser solto em duas
ocasiões, mas continuou preso.
Em julho de 2018, o desembargador
Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), atendeu a um
habeas corpus movido pela defesa de Lula e mandou soltá-lo, citando como “fato
novo” a candidatura dele à presidência. A decisão foi tomada no dia 8 de julho,
um domingo, durante o plantão judiciário.
A decisão provocou a reação do
então juiz Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira
instância, que, mesmo de férias, determinou à Polícia Federal que não cumprisse
a ordem enquanto o relator da Lava Jato no TRF4, João Pedro Gebran Neto, não se
manifestasse. Favreto, no entanto, emitiu nova decisão reafirmando a
determinação para soltar Lula e pedindo a investigação de Moro pelo Conselho
Nacional de Justiça por infração funcional ao atuar para o não-cumprimento de
decisão de instância superior.
Na sequência, Gebran Neto invocou
para si o caso e desfez o que o colega Favreto tinha decidido. Este, por sua
vez, não aceitou, disse que não era subordinado a Gebran e, na sua terceira
decisão sobre o caso, reiterou a determinação para a PF soltar o ex-presidente.
A guerra de decisões foi encerrada pelo então presidente do TRF4, desembargador
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que decidiu que quem tem o poder de
decidir sobre o caso é o relator.
© Sylvio Sirangelo/TRF4/Flickr O desembargador Rogério Favreto |
Em 19 de dezembro de 2018, último
dia antes do recesso do Judiciário, o ministro do STF Marco Aurélio Mello
concedeu uma liminar e determinou que todos os réus presos após condenações em
segunda instância no TRF4 fossem soltos, o que incluía Lula. A decisão foi
derrubada no mesmo dia pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli.
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