Se aos olhos do Governo Federal a
PEC - Proposta de Emenda à Constituição, que trata da redução/fusão de
municípios pode ser viável no contexto de corte de custos, “corrigindo abuso do
passado” já que unidades federativas não possuem autonomia financeira, fato é
que a matéria gera reações contrárias não somente de gestores, líderes
municipalistas, mas também de especialistas no assunto.
Nesta Entrevista da Semana ao
FocoCidade, o economista Vivaldo Lopes alerta sobre eixos a serem observados:
“mas vejo a proposta de extinção de pequenos municípios que arrecadam pouco
como uma espécie de "bode na sala" que será retirada durante as
negociações que o Executivo travará com o Parlamento nacional”.
Na matriz de ações encampadas por
entidades como a Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), em que se
busca o fortalecimento das cidades por meio da justa distribuição de recursos,
é pontuado o mantra da necessidade de revisão e aplicação do Pacto
Federativo.
Vivaldo Lopes acentua ainda
outros itens a serem respondidos na esteira da PEC, assinalando a falta de
clareza acerca da dinâmica a ser adotada pelo Governo Federal no que se refere
ao repasse da verba pública.
“Caso prevaleça a incorporação
dessas cidades, vai haver mais aporte financeiro para o município que as
receber? Vai alterar o formato atual de distribuição do Fundo de Participação
dos Municípios?”, questiona.
Na leitura do economista,
projetando outras alternativas, o texto não deve lograr êxito no Congresso:
“entendo que a proposta de extinguir municípios pequenos não prevalecerá nos
debates no Senado. Provavelmente nem chegará à Câmara Federal. Será retirada
ainda no Senado”.
Confira a entrevista na íntegra:
A proposta do Governo Federal que
prevê redução do número de municípios, além de fusões, já gerou reação como da
AMM. Qual sua leitura?
O conjunto do projeto para uma
nova distribuição da arrecadação de recursos, o chamado Pacto Federativo, é
bom. Mas vejo a proposta de extinção de pequenos municípios que arrecadam pouco
como uma espécie de "bode na sala" que será retirada durante as
negociações que o executivo travará com o Parlamento nacional. É um item que
pode ser retirado sem prejuízo ao esforço fiscal previsto na PEC.
A ideia de incorporação das
cidades com menos de 5 mil habitantes – considerando também como critério a
arrecadação própria menor que 10% da receita total – não é nova no país sendo
tese de órgãos em outros estados. Mas na prática o que pode significar para os
municípios a obrigação de incorporar mais demandas?
O projeto de emenda
constitucional não responde claramente essa questão. Caso prevaleça a
incorporação dessas cidades, vai haver mais aporte financeiro para o município
que as receber? Vai alterar o formato atual de distribuição do Fundo de
Participação dos Municípios? O município que receber o menor terá aumentada a
sua despesa orçamentária ao incorporar os serviços públicos prestados pelo
município incorporado, como zeladoria, manutenção de pontes, estradas,
iluminação pública, saúde básica, transporte escolar, alimentação escolar,
saneamento básico. No entanto, não há garantias explícitas que vá receber mais
recursos tributários da União ou do estado especificamente para prover tais
serviços.
Por outro lado, é uma visão
distorcida achar que a criação de novos municípios melhore a oferta de serviços
aos cidadãos que vivem em regiões mais distantes de centros urbanos.
Existem projetos na Câmara
Federal, por exemplo, para ampliação de municípios em Mato Grosso. Então
pode-se dizer que essa proposta de redução entra na contramão dos planos de
desenvolvimento?
É correto e elogiável o esforço
da administração federal para diminuir o tamanho da máquina pública, reduzir os
gastos públicos, eficientizar a prestação dos serviços públicos, liberando mais
dinheiro para investimentos que ajudam a propulsionar o crescimento econômico.
Não acho que a extinção de pequenos municípios contribua de forma decisiva para
atingir tais objetivos estratégicos. Por outro lado, é uma visão distorcida
achar que a criação de novos municípios melhore a oferta de serviços aos
cidadãos que vivem em regiões mais distantes de centros urbanos. Após a
Constituição de 1988 houve uma corrida insana para a criação de novos municípios.
O estudo da realidade demonstra que a criação de novos municípios não resultou
em melhores condições de vida dos que habitam essas novas cidades. É possível
melhorar a gestão pública dos municípios, melhorando o provimento de serviços
às populações mais carentes, sem, necessariamente reduzir a quantidade de
cidades. A PEC não aponta quanto vai economizar com a extinção de municípios,
mas manteve os subsídios para a Zona
Franca de Manaus, que consome anualmente quase R$ 300 bilhões de receitas
tributárias da União.
Conforme dados da AMM, 34
municípios do Estado podem ser atingidos diretamente, pelos critérios do número
de habitantes (menos de 5 mil) – e menos de 10% de receita. Nesse aspecto, é
possível discutir também uma eventual ampliação dos recursos destinados pelo
Governo Federal aos municípios polo?
A PEC não demonstra se os
municípios que receberão os extintos terão receitas orçamentárias extras para
assumir a demanda de serviços que virão juntamente com a incorporação. Para
citar apenas o exemplo do município de Araguainha que pode ser incorporado por
Alto Araguaia. Como o prefeito daquele município irá garantir os serviços aos
moradores do futuro distrito contando apenas com as suas atuais receitas
orçamentárias que tiveram forte queda
com a migração do terminal ferroviário para Rondonópolis e o município está em
desequilíbrio fiscal desde então.
Vejo a necessidade do Pacto
Federativo focar em três grandes objetivos: aumentar o repasse de dinheiro para
os municípios, exigir mais austeridade e eficácia dos gestores municipais e
União e Estados deixarem de repassar novas atribuições que aumentem as despesas
das cidades.
A grande discussão da pauta
municipalista sempre foi a revisão do Pacto Federativo – buscando sua efetiva
implementação e a ampliação da distribuição do bolo de recursos arrecadado pela
União às gestões nas cidades. Agora o viés é contrário?
Desde que o dr. Ulisses Guimarães
anunciou para o país a
"Constituição Cidadã" em 1988, a principal bandeira do
municipalismo foi aumentar a participação na repartição das receitas
tributárias arrecadadas pela União e Estados. Resumindo o samba-enredo: mais
dinheiro em caixa para atender o aumento de demanda de serviços garantidos pela
própria Carta Magna de 1988. O movimento que se nota ao longo das últimas
décadas foi no sentido contrário. União e Estados passaram a criar novos
tributos não compartilhados com os municípios e repassar para estes novas
despesas que antes de 1988 não eram obrigação dos municípios, aumentando
exponencialmente suas despesas. Atualmente, conforme dados de pesquisa recente
divulgada pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro - Firjan, 49% das
prefeituras do país gastam mais de 54% de suas receitas para pagamento de
pessoal e 47% investem apenas 3% do seu orçamento em novas obras ou serviços.
Vejo a necessidade do Pacto Federativo focar em três grandes objetivos:
aumentar o repasse de dinheiro para os municípios, exigir mais austeridade e
eficácia dos gestores municipais e União e Estados deixarem de repassar novas
atribuições que aumentem as despesas das cidades.
Na sua análise, os dados do IBGE
que apontam ter o país 1.254 municípios com menos de 5 mil habitantes – ou
aproximadamente 22% do total de 5.570 cidades, podem colaborar para uma leitura
muito simplista na base da proposta de redução, devendo ser observados outros
parâmetros que fundamentam a existência das pequenas cidades?
Entendo que a proposta de
extinguir municípios pequenos não prevalecerá nos debates no Senado.
Provavelmente nem chegará à Câmara Federal. Será retirada ainda no Senado. De
qualquer forma a minha resposta está contida na anterior: mais recursos para os
municípios (lembra do "Menos Brasília, mais Brasil"), mais
austeridade e eficácia das gestões municipais e menos atribuições dispendiosas
para os municípios.
Líderes municipalistas no Congresso,
leia-se o senador Wellington Fagundes que integra a Frente em Defesa dos
Municípios, buscam discussão sobre essa matéria. Na sua interpretação, qual a
alternativa?
Sob a liderança do senador
Wellington Fagundes e do presidente da AMM, Neurilan Fraga, foi criada no
Congresso uma frente ampla municipalista que já produziu vários feitos
positivos para os municípios, a exemplo da repartição dos recursos do bônus de
assinatura da cessão onerosa do pré-sal, que, de acordo com legislação
anterior, ficaria apenas com a União. Entendo que os líderes municipalistas de
todo o país irão aperfeiçoar a proposta enviada pelo Executivo. Os debates
demonstrarão que mais recursos para os municípios, mais comprometimento dos
gestores municipais com a austeridade vai contribuir para melhorar o ambiente
de negócios nas cidades que, por sua vez,
aumenta emprego, renda e consumo, itens muito importantes para a tão
desejada retomada do crescimento econômico do país após período longo de
recessão econômica.
Foco Cidade
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