Dyakalo Foratu Matipu fez a prova para o curso de medicina. — Foto: Arquivo Pessoal |
O indígena Dyakalo Foratu Matipu
passou em primeiro lugar para o curso de medicina em um vestibular realizado na
aldeia Kuikuro, na região do Alto Xingu, em Mato Grosso. Eram seis vagas para
medicina, cinco para odontologia e duas para medicina veterinária.
Recentemente, ele fez sucesso na
web ao postar fotos no “desafio dos 10 anos”.
Farato, como gosta de ser
chamado, é da etnia Matipu, nasceu na Aldeia Kuikuro e cresceu na Aldeia
Buritizal, ambas localizadas na região do Alto Xingu.
No final de 2018, já formado em
enfermagem, Farato passou em primeiro lugar em ciências da matemática na
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Em um relato emocionante, Farato
conta que sempre sofreu preconceito por ser indígena, mas que nunca desistiu.
Começou a estudar aos 10 anos. Até então, vivia na aldeia, pescando e jogando
futebol com as outras crianças do local, sem a oportunidade de ser
alfabetizado.
Quando começou a aprender ler,
precisou sair da escola, pois a família se mudou de aldeia. Farato pegava
jornais e revistas que, muitas vezes, estavam jogados na aldeia e tentava ler.
Farato conta que precisou empurrar a moto por mais de 2h. — Foto: Arquivo Pessoal |
“Eu soube que teria vestibular na
aldeia um dia antes da prova. Pedi uma moto emprestada para um amigo e fui para
a aldeia, que fica a 340 km de Canarana, cidade onde moro. A estrada é de terra
e como havia chovido, tinha muita lama. Eu não conseguia me manter na moto.
Caía e levantava o tempo todo. Tive que empurrar a moto por mais de 2h. Sai às
5h e cheguei na aldeia às 18h40. Assim que cheguei, mesmo sujo de lama, fiz
minha inscrição para o vestibular, que estava programado para o dia seguinte,
às 9h”, conta Farato.
O indígena diz que seu sonho
sempre foi ser médico para ajudar seu povo.
Aos 13 anos, descobriu a paixão
pela área da saúde, com o trabalho dos monitores de saúde indígenas, que
andavam de casa em casa para verificar a saúde dos índios.
“O reitor chegou lá de avião e
nós fizemos uma apresentação de boas vindas para ele. Por isso eu estava
pintado. Fiz a prova e depois a redação sobre desmatamento da terra indígena”,
conta.
Feliz, Farato diz que o curso é a
realização de uma promessa feita há cerca de 17 anos.
“Tinha que esperar o resultado,
que saiu nessa quinta-feira (21). Estava ansioso, mas agora estou muito feliz e
vou realizar meu sonho. Vou cuidar do meu povo.
"Eu acho que a palavra dos
preconceituosos me dá mais energia para realizar meu sonho. Eu já tinha
prometido há 17 anos, quando o contrato dos médicos que atendiam na nossa
aldeia acabou. Lembro que chorei muito quando fiquei sozinho e prometi para mim
mesmo que um dia eu faria medicina para ajudar meu povo”, diz ele.
Mudança para a cidade
Dyakalo Foratu Matipu venceu preconceitos e concluiu o curso de técnico em enfermagem. — Foto: Arquivo Pessoal |
Ele se mudou para Canarana, em
2013. A princípio, o pai não queria deixá-lo sair da aldeia.
“Ele (pai) tinha o sonho de ter
um motor de popa para o barco. Juntei dinheiro e comprei para ele e disse:
'pai, o sonho do senhor está realizado. Agora me deixe realizar o meu. Me deixe
estudar'”, disse.
Na cidade, Farato recebia R$ 600
por mês. Ele gastava o dinheiro com livros e lanterna, já que onde morava não
havia energia elétrica.
Ele havia pedido demissão do
cargo de agente indígena de saúde e tinha o objetivo de estudar.
Fez alguns cursos e estava pronto
para voltar para a aldeia, só com o certificado de ensino médio. Então foi
aberto o processo seletivo para o curso de técnico de enfermagem e ele se
inscreveu.
Uma semana antes do retorno
previsto para a aldeia, foi chamado para cursar. O curso durou 2 anos e 8
meses. A formatura foi em 8 de dezembro de 2018.
Força de vontade
Exemplo de resistência, ele agora
orienta as pessoas a não desistirem do sonho. Ele contou que tinha dias que
chorava e que eu não tinha o que comer, e que, nesses momentos, sentia vontade
de desistir.
"Meu café da manhã era água,
meu almoço era água, minha janta era água. Meu sonho era cuidar do meu povo,
mas ninguém me dava oportunidade”, disse.
O conselho dele é não desanimar
com as críticas. Nem todos vão apoiá-lo e ainda duvidarão da sua capacidade.
“Se você quer ser alguém na vida,
se você quer ser exemplo de alguém, você tem que ter coragem, confiança. Como
diz a Bíblia, os humilhados serão exaltados. No começo ninguém vai te aplaudir,
todo mundo pode rir, duvidando da sua capacidade. Mas quando você chegar lá no
lugar que você queria, todo mundo te aplaude. A vida dá voltas. Seja forte”,
aconselha.
Por Flávia Borges, G1 MT
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