O Instituto Socioambiental – Isa
e mais 38 organizações, redes e movimentos sociais divulgaram uma carta que
denuncia as violações dos direitos dos povos indígenas provocadas pela
construção de hidrelétricas no Rio Teles Pires, na fronteira entre o Pará e o
Mato Grosso. O documento critica a atuação da Força Nacional na região,
apontada como mais uma dessas violações. O texto foi divulgado no último dia
22, no 8º Fórum Mundial da Água, em Brasília
Os movimentos sociais e demais
organizações da sociedade civil, abaixo-assinados, vêm registrar seu repúdio à
continua violação dos direitos de povos indígenas e da legislação ambiental
pelos empreendedores, licenciadores e financiadores de um conjunto de quatro grandes
barragens hidrelétricas no rio Teles Pires, na fronteira entre os estados de
Mato Grosso e Pará.
O episódio mais recente desse
descaso com os direitos humanos no rio Teles Pires envolve uma portaria do
recém-criado Ministério da Segurança Pública – publicada no Diário Oficial da
União na quinta-feira, 01/03 – que determina a prorrogação por mais 90 dias da
presença da Força Nacional, iniciada em outubro passado, nos canteiros da Usina
Hidrelétrica (UHE) São Manoel, alegando uma suposta ameaça à “ordem pública”
por parte
do povo indígena Munduruku.
Desde 2011, os povos indígenas
Kayabi, Apiaka e Munduruku, assim como pescadores e agricultores familiares,
têm denunciado sucessivos casos de desrespeito aos seus direitos e da
legislação ambiental no planejamento, licenciamento e construção de um conjunto
de quatro grandes barragens no rio Teles Pires (UHEs Sinop, Colider, Teles
Pires e São Manoel).
Somente no caso da UHE São
Manoel, o Ministério Público Federal já ajuizou sete Ações Civis Públicas, citando
ilegalidades que incluem a falta de consulta e consentimento livre, prévio e
informado junto aos povos indígenas, estudos de impacto ambiental incompletos,
ameaças a indígenas em isolamento voluntário, e o repetido descumprimento das
condicionantes de licenças ambientais pelos empreendedores.
Chegou-se ao ponto do Ministério
de Minas e Energia ter pressionado o antropólogo responsável pelo componente
indígena do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da usina São Manoel, a modificar
seu relatório, cuja conclusão principal era de que o projeto – previsto para
construção a poucos metros do limite de um território indígena, onde vivem as
três etnias logo rio abaixo – era inviável, do ponto de vista de suas
consequências socioambientais.
Ademais, decisões judiciais
favoráveis às ações do Ministério Público Federal têm sido paralisadas
repetidamente por meio da “Suspensão de Segurança”, manobra jurídica da época
da ditadura que permite a presidentes de tribunais suspenderem decisões
judiciais de instâncias inferiores, alegando ameaça à “ordem social e
econômica”, apontada de forma genérica. Utilizado sem a necessária
fundamentação, o instituto da Suspensão de Segurança serve a arbitrariedades no
âmbito do Judiciário, atendendo a interesses de empresas e aliados políticos,
em detrimento da proteção constitucional dada ao meio ambiente, aos povos
indígenas e a outras populações tradicionais.
Nesse contexto de ilegalidades, o
complexo de usinas hidrelétricas no rio Teles Pires tem destruído espaços
sagrados para os povos Munduruku, Kayabi e Apiaka – como o Morro dos Macacos e
Sete Quedas, a morada da Mãe dos Peixes (Dekuka´a e Karobixexe, respectivamente,
no idioma Munduruku) provocando danos irreversíveis ao patrimônio cultural e
espiritual das comunidades indigenas da região.
Em julho de 2017, os Munduruku
ocuparam o canteiro da usina São Manoel, protestando contra a destruição de
lugares sagrados e outros impactos devastadores das usinas São Manoel e Teles
Pires, como o comprometimento da qualidade da água e consequências sobre os
peixes e a pesca, base da segurança alimentar, dentro dos territórios indígenas
rio abaixo. Juntamente com outros integrantes do Fórum Teles Pires, coalização
de organizações da sociedade civil que acompanha as violações a direitos no
âmbito do complexo hidrelétrico na região, os indígenas apresentaram um dossiê
com fartas evidências das consequências das barragens. Na época, o Presidente
da FUNAI e representantes do IBAMA e empresas assumiram uma série de
compromissos com os Munduruku que, na sequência, foram descumpridos.
Em setembro de 2017, a
Presidência do IBAMA concedeu a Licença de Operação (LO) para a UHE São Manoel,
contando com o aval do Presidente da FUNAI. Ambos desconsideraram frontalmente
os pareceres técnicos desfavoráveis à concessão da LO, elaborados pelas equipes
do IBAMA e da FUNAI, que destacaram o descontrole de impactos socioambientais
da UHE São Manoel e usinas a montante no rio Teles Pires, além do
descumprimento de condicionantes de licenças anteriores pelo empreendedor e um
grande risco de agravamento de conflitos com os povos indígenas. Em seguida, o
MPF recomendou ao IBAMA a suspensão da LO da usina São Manoel, mas foi
ignorado.
Desde setembro de 2017 – muito
antes da chegada da Força Nacional ao canteiro da São Manoel – lideranças
indígenas do baixo Teles Pires têm cobrado o cancelamento da Licença de
Operação para a usina da São Manoel, citando as diversas violações de seus
direitos. Ao mesmo tempo, reivindicaram uma audiência com o governo na aldeia
Teles Pires, do povo Munduruku. Porque suas solicitações foram ignoradas pelo
governo, cerca de 150 munduruku foram até o canteiro de obras da usina São
Manoel, no último dia 13 de outubro, para reivindicar seus direitos e o
cumprimento dos compromissos firmados na ocupação de julho de 2017 – em
especial, sobre a destinação de urnas funerárias em posse do consórcio da UHE
Teles Pires Os indígenas também pretendiam fazer rituais e visitar im dos seus
territórios sagrados, o Dekuka´a (Morro dos Macacos), destruído pelo canteiro
de obras da usina São Manoel.
Ao invés de aceitar o diálogo, a
resposta do governo federal foi o envio da Força Nacional para o canteiro da
usina São Manoel para conter a mobilização indígena, composta em grande parte
por mulheres e crianças. De acordo com o Movimento Munduruku Iperegayu, que
coordenou a mobilização, a Força Nacional não apenas impediu a realização dos
rituais, como chegou a utilizar bombas de efeito moral para reprimir a
mobilização munduruku. Esse emprego da Força Nacional foi autorizado pelo
Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), em atendimento a uma
solicitação do Ministério de Minas e Energia (MME).
Seguindo a mesma lógica perversa
da ‘Suspensão de Segurança’, que visa criar um estado de exceção para a
construção de barragens na Amazônia marcadas pelo desrespeito às leis, a Força
Nacional é utilizada agora para reprimir os protestos dos povos indígenas do
rio Teles Pires, atuando como segurança privada do consórcio EESM
(Empresa de Energia São Manoel)
liderado pelas filiais brasileiras da China Three Gorges Corporation (CTG) e
Energia de Portugal (EDP), em conjunto com a estatal Furnas, do grupo
Eletrobras. A obra conta com financiamento generoso do BNDES e garantias do
China Development Bank (CDB); ambos fizeram vista grossa sobre as violações dos
direitos indígenas no caso de UHE São Manoel.
No dia 15 de outubro de 2017, a
Procuradoria da República em Sinop (MT) abriu um inquérito para apurar a
ocorrência de irregularidades na execução da ordem de mobilização da Força
Nacional de Segurança Pública com relação aos indígenas da etnia Munduruku,
porém,até o momento, o MPF não apresentou os resultados da referida
investigação.
As organizações abaixo-assinadas
compreendem que, num estado democrático, o respeito aos direitos humanos e à
legislação ambiental, assim como o diálogo entre as partes envolvidas
constituem o caminho necessário para prevenir e superar conflitos
socioambientais.
Tendo em vista o grave quadro de
ilegalidades em torno do planejamento, licenciamento e implementação da UHE São
Manoel – inclusive com o emprego de força desnecessária e desproporcional do
Estado contra uma mobilização indígena legítima, composta em grande medida por
mulheres e crianças do povo Munduruku – as organizações signatárias desta
carta, no marco legal do Estado Democrático de Direito, vêm reivindicar:
1. A imediata retirada da Força
Nacional do canteiro da UHE São Manoel e a retomada do diálogo com o povo
Munduruku, objetivando o cumprimento de compromissos assumidos pelo governo e
empreendedores das UHEs São Manoel e Teles Pires, com pleno respeito aos
direitos indígenas;
2. Cancelamento da Licença de Operação
(LO) da UHE São Manoel até que sejam plenamente cumpridas as condicionantes de
licenças anteriores (LP, LI) e comprovada a viabilidade de medidas efetivas
para garantir os direitos das populações indígenas impactadas a jusante do
empreendimento;
3. Realização de inspeção de
campo pelo MPF, IBAMA, FUNAI e IPHAN, em conjunto com lideranças indígenas,
especialistas independentes e representantes do Fórum Teles Pires, para
verificar conjuntamente as consequências socioambientais das hidrelétricas,
especialmente sobre os territórios e povos indígenas a jusante;
4. Criação de sistema
independente de monitoramento de impactos socioambientais, inclusive sinérgicos
e cumulativos, das quatro barragens no rio Teles Pires, envolvendo o MPF e
universidades publicas e comunidades locais, custeado pelos empreendedores, com
divulgação pública dos resultados. Tal sistema deve ser incluído como obrigação
formal dentre as demais condicionantes das licenças ambientais dos
empreendimentos;
5. Eliminação da utilização arbitrária
da Suspensão de Segurança, como manobra jurídica para manter situações de
violação dos direitos humanos e da legislação ambiental em grandes projetos na
região Amazônia.
Brasilia, 22 de março de 2018
Atenciosamente,
GT Infraestrutura
contato: Sérgio Guimarães
Coordenador do GT Infraestrutura
Articulação dos Povos Indígenas
do Brasil – APIB
Aliança dos 4 Rios da Amazonia
Brasileira
Aliança dos Rios Panamazonicos
Articulação de Mulheres
Brasileiras – AMB
Comitê Belém – Fórum Social Panamazônico
– FOSPA
Fórum da Amazônia Oriental – FAOR
Fórum Mudanças Climáticas e
Justiça Social – FMCJS
Fórum Nacional da Sociedade Civil
nos Comitês de Bacias Hidrográficas FONASC.CBH
Fórum de Mulheres da Amazonia
Paraense – FMAP
Frente por uma Nova Política
Energética para o Brasil – FNPE
Frente Regional de Pueblos del
Bajo Mixe Choapan A.C. (Oaxaca, México)
Movimento dos Atingidos por
Barragens – MAB
Asociacion Ambiente y Aociedad –
AAS (Colombia)
Asociación Interamericana para la
Defensa del Ambiente – AIDA
Amazon Watch
Centro de Derechos Económicos y
Sociales- CDES (Ecuador)
Conectas Direitos Humanos
Conselho Indigenista Missionário
– CIMI
Conservação Estratégica – CSF
CooperAcción – Acción Solidária
para el Desarollo (Peru)
Derecho, Ambiente y Recursos
Naturales – DAR (Peru)
Friends of the Earth
Greenpeace Brasil
Grupo de Trabajo sobre
Inversiones Chinas en Bolivia
Instituto Centro de Vida – ICV
Instituto ClimaInfo
Instituto de Conservação e
Desenvolvimento Sustentável da Amazônia – IDESAM
Instituto Madeira Vivo – IMV
Instituto Socioambiental – ISA
International Accountability Project – IAP
International Rivers – Brasil
Justiça Global
Operação Amazônia Nativa – OPAN
Projeto Saúde e Alegria
Terra de Direitos
TTERRA – Laboratório de
Antropologia da Terra
Uma Gota No Oceano
WWF- Brasil
Fonte: Nativa NewsPor: Carta
Capital
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