O
sorriso de Lauany Emanuely de Souza Boffi, cinco meses, tem um
significado muito especial para sua família. É como se, por um instante,
todos ao seu redor se esquecessem de como a vida da criança de
Jaboticabal (SP) tem sido difícil desde que veio ao mundo. Lauany nasceu
com uma disfunção considerada rara. Chamado de nevo melanocítico
congênito (NMC) gigante, o defeito ocorrido ainda na formação do embrião
fez Lauany ter aproximadamente 80% do corpo encoberto por manchas e
bolhas escurecidas ocasionadas pelo excesso de melanina - proteína que
dá coloração à pele.
O Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (SP), que acompanha o caso
desde outubro do ano passado, não informou detalhes sobre o tratamento.A
condição de Lauany complica qualquer tarefa cotidiana dos pais em sua
casa. Sem glândulas produtoras de suor nas áreas afetadas pela doença - o
que exclui apenas as pernas, o rosto e um pequeno espaço de seu abdômen
-, ela não pode ficar exposta ao sol e precisa constantemente de
ambiente climatizado por ar condicionado, além de um óleo mineral para
hidratação.
O calor faz com que a pele dela fique irritada e sangre com facilidade,
principalmente nas costas, onde estão as maiores concentrações de
melanina e consequentemente onde as bolhas mais deformam a criança. As
erupções fazem com que o bebê sinta dor diante de uma mínima irritação
cutânea.
Os cuidados são necessários inclusive para que a criança consiga
dormir. "Ela dorme, mas se eu ligar apenas o ventilador ela passa a
noite em claro. A gente não sabe se coça, às vezes ela fica se
esfregando no colchão", afirma a dona de casa Bruna Lima de Souza Boffi,
20 anos, mãe de Lauany, enquanto segura a filha de modo a evitar o
mínimo contato com as costas da menina.
A troca da fralda e de suas roupas, apenas para citar um exemplo, é um
desses momentos diários de sofrimento. Nos três primeiros meses ela
chorava muito, sem parar, agora deu uma melhorada por causa do ar
condicionado [adquirido recentemente por doação]. Quando se arranca a
roupa dela ela chora. Tenho que dar banho com ela no braço, porque a
banheira machuca as costas dela. Após o banho, ainda preciso limpar as
costas para não acumular sujeira. Além disso, tenho que passar álcool
nas mãos e deixar todas as coisas dela bem esterilizadas, relata Bruna.
Encaminhamento médico
Após uma gestação de nove meses que aconteceu sem problemas, a criança
nasceu de parto normal no Hospital Santa Isabel com condições de saúde
como peso e batimentos cardíacos normais. As manchas de Lauany
surpreenderam não só os pais, como também a equipe médica que atendeu a
mãe.
A incidência dos nevos, em pequenas quantidades, é relativamente comum,
mas em grande quantidade é considerada rara. Em 40 anos de profissão é a
primeira vez que vejo nessas proporções. O nevo pequeno não é tão raro,
mas no tamanho em que encontramos é a primeira na minha vida. Ficamos
assustados, disse o pediatra Roberto César Miami, plantonista que
primeiro viu Lauany após o parto de Bruna no hospital. Para a mãe,
naquele momento o que mais importava era que sua filha havia nascido com
saúde.Eu me senti em paz. Para mim ela é normal, diz Bruna.
Devido à complexidade da paciente, Miami encaminhou o caso para o setor
de dermatologia do HC-RP no mesmo mês. Desde então, a criança foi
submetida a uma biópsia e a um exame de ressonância magnética e já
passou por ao menos três consultas, segundo a família. Na próxima,
marcada para 15 de maio, a mãe espera uma resposta mais precisa sobre a
doença. "É difícil não saber o que ela está sentindo", afirma Bruna, que
tem esperança de ver a filha curada.
Nevo melanocítico congênito
O nevo melanocítico congênito (NMC) é um defeito que altera o
melanócito - célula que dá pigmentação à pele - que acontece ainda na
formação do embrião e provoca excesso de melanina no organismo.
Dependendo da quantidade e da extensão das manchas escuras pelo corpo, o
NMC pode ser considerado pequeno - de até 1,5 centímetro -, médio - de
até 20 centímetros - ou grande - acima de 20 centímetros, que, pela
extensão, pode ser ainda considerado gigante.
"Nevo é um defeito que aconteceu na célula que produz a melanina. Em
vez de migrar, ela se transforma em célula névica, que forma manchas
extensas e tumores", afirma o médico Marcus Maia, dermatologista
coordenador do Programa Nacional de Controle do Câncer de Pele da
Sociedade Brasileira de Dermatologia e professor de dermatologia da
Santa Casa de São Paulo.
Após o nascimento, as manchas podem se expandir até quando a criança
completa 1 ano, mas depois disso acompanham proporcionalmente o
crescimento do corpo, segundo o especialista.
Na adolescência, há possibilidade de alguns nevos regredirem. De acordo
com Maia, o defeito não tem influência hereditária. "É independente de
sexo, etnia e localização geográfica", diz o médico, que estima já ter
tratado 40 pacientes com nevo "gigante".
No caso mais grave, o NMC gera riscos de câncer de pele, além de
problemas no sistema nervoso central. O tratamento consiste da
observação clínica constante, seguida de eventuais intervenções
cirúrgicas para retirada de tumores e para substituição de pele. Estas,
no entanto, dependem de diagnóstico. Segundo o dermatologista, de um
modo geral os centros médicos brasileiros têm condições de tratar o nevo
melanocítico, embora o aspecto estético seja difícil de ser
solucionado.
Hospital das Clínicas
Procurado pelo G1, o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto não deu detalhes sobre o caso de Lauany.
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